Voltar ao normal

Editorial 

O que é normal? E voltar ao habitual? Será que existe “voltar ao normal” ou sempre criamos um algo para chamar de “normal” após passarmos por qualquer situação, seja boa ou ruim? 

Segundo o livro de Gênesis, da Bíblia Sagrada, Deus criou o homem e depois a mulher, e eles passaram a viver no paraíso. Após Eva comer o fruto do mal (ou do conhecimento, segundo alguns, vez que passou a ter ideia de bem e mal, mas isso é outra história), e dar a Adão, Deus os expulsou do paraíso e disse  que eles comeriam o pão com o suor do seu rosto.  O trabalho foi proposto ao homem como castigo, porém, com o passar dos anos, tornou-se um meio necessário para o alimento do corpo e da alma, pois é por meio do pagamento pelo trabalho é que se realiza sonhos. Claro é que utopia para muitos, pois não se pode ignorar que no mundo há quase 50 milhões de pessoas trabalhando em condições análogas às de escravo. Números vergonhosos para o mundo atual. Infelizmente, tanto para alguns governos quanto para aqueles trabalhadores, isso é normal. E até mesmo para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) é normal, vez que pouco ou nada faz para coibir tal absurdo em pleno século XXI.

De Gênesis até os nossos dias, muitos eventos ocorreram e que afetaram o mundo de tal forma que pode-se dizer que o outro nome para este planeta seria “recomeço”. Considerando o que estamos vivendo hoje, com o novo coronavírus, é preciso que tenhamos em mente que não é a primeira pandemia. Aliás, se olharmos o número de mortos e infectados, este não chega perto das pestes anteriores que assolaram a humanidade. A varíola, surgida no século XX e que chegou a matar dois mil romanos por dia, é a primeira pandemia que se tem notícia. A peste bubônica, de 1347 a 1353, matou 50 milhões de pessoas, uma média de 23 mil europeus por dia, quase 50% do que hoje mata a covid-19. A gripe espanhola começou durante a última parte da Primeira Guerra Mundial. Se a citada guerra foi responsável pela morte de 8 milhões de pessoas, a gripe espanhola matou 50 milhões em todo  o mundo, em menos de 18 meses, a mesma quantidade de mortes da peste negra, que durou 6 anos. 

Claro que todas essas doenças pandêmicas ditaram novas regras. Se considerarmos que tivemos uma guerra em nível mundial e também uma pandemia nos anos 1910,  tem-se que um novo mundo teria que ter nascido a partir daí. Mas isso não ocorreu, tanto que 20 anos depois o mundo estava em guerra novamente, a Segunda Guerra Mundial,  que causou a morte de 56 milhões de pessoas, com um adicional de 19 a 28 milhões em situação de fome. O pós-guerra dividiu o mundo entre EUA e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), dando início à Guerra Fria, que durou de 1947 até a dissolução da União Soviética em 1991.

No período da Guerra Fria, pudemos ver mudanças realmente impactantes: as mulheres conquistaram mais espaço na política, nas empresas, também diminuíram o tamanho da saia, adotaram o topless nas praias, surgiu a pílula anticoncepcional e, com ela, a liberdade sexual,  o homem foi à Lua, a luta pelos direitos humanos nunca havia sido tão forte. Se tais mudanças chocaram o mundo, com o tempo tudo isso se tornou normal.

Na década de 1980, a Aids foi descoberta e, com isso, a liberdade sexual teve que ser repensada. Além do uso de anticoncepcional, foi preciso adotar o preservativo, que já não era somente para evitar filhos. Seu maior uso passou a ser para evitar a contaminação pelo vírus HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Mesmo com todo o cuidado, aproximadamente 80 milhões de pessoas foram infectadas desde 1980 e, dessas, mais de 32 milhões morreram.  

Agora estamos aí com o novo coronavírus, causador da covid-19, responsável pela contaminação de mais de 8,7 milhões de pessoas em todo o mundo e com mais de 460 mil mortes, isso desde dezembro passado.

Claro que, sem fugir à regra, o novo coronavírus causou a busca de um novo normal, após isolamento social, lockdown, fechamento de igrejas, estádios, clubes, comércio em geral. Embora ainda não se tenha ideia de como venceremos o vírus e suas mutações, é preciso vencer a fome, o desemprego, o medo e, por isso, aos poucos vai retornando, retomando, tomando forma, pois como diz a música de Lulu Santos “nada do que foi será do jeito que foi agora há um segundo. Tudo passa, tudo sempre passará!”. Só a classe política é que não toma jeito. Para muitos, infelizmente, voltar ao normal é voltar à roubalheira, à corrupção. Voltar a fazer o permitido, o não, e o ridículo em ano eleitoral. Aí não tem peste ou guerra que dê jeito.

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