Você sabe de onde eu venho?

Antônio de Oliveira 

 

Não venho de Neverland. Isso é certo. Tampouco de Pasárgada, onde teria sido amigo do rei. Também não venho de uma terra que tem palmeiras, onde outrora se sonhava com um Eldorado e onde, alegre, cantava o sabiá, hoje silencioso e triste, triste e silencioso. Sem espaço também o cheiro de mato, água de rio despoluído logo ali e passarinhos, soltos e leves, durante as quatro estações do ano. Essa terra está hoje interligada por espaçosos propinodutos, regida e conjugada pelo verbo propinar, na voz ativa e na voz passiva. Propinodutos onde, faceiros, circulam por pistas largas e se cruzam grandes empresários e políticosvorazes e vorazes familiares, marqueteiros e apaniguados. Terra desvirginada e estuprada, saqueada nas suas entranhas, belezas naturais devassadas pela ambição desmedida. Terra tornada árida pela dor dos oprimidos, sem abrigo e sem telhado para se protegerem do frio, do vento e das tempestades.  

Venho do seio materno para uma terra mãe, mãe desalmada e pouco gentil. Lá de onde eu venho havia amor e paz, paz e amor, amor multiplicado e compartilhado. Onde o bem era o bem maior, a corrupção não grassava. Lá se dividia o alimento com a mãe, quando então o amor materno se duplicava e o coração era coração de mãe. Não de pedra. Plácida placenta. Eis o lugar de onde eu venho.  

Feto. Criança anjo. Adulto. Ao tentar entender o mal, caí na real. Hoje sou um catador de gravetos de esperanças, um passarinho arisco a bicar farelinhos de fubá. Penso que o amor pulsa primeiramente dentro da gente, é essência do amor dentro da gente e existência do abraço fora da gente. Luz mesmo em noite escura. Confiança em noites traiçoeiras. O amor é paz, fé. O amor se compadece. O amor é pronto atendimento. Com carinho. Talvez o momento atual nos tenha levado a desacreditar do nosso país. Mas basta a gente levar na bagagem sementes de bondade em busca de um sorriso aberto, sincero, íntegro. 

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