Viva São João

Augusto Fidelis

― Alô, comadre, está me ouvindo? 

―  Num tô, não, ligação muito ruim, chiadeira!

― Comadre, vou falar mais alto. Preciso de um favor: à noite, vem muita gente aqui em casa para festa de São João, que já está fora do dia, e eu preciso de ajuda!

― Ajuda, quem mandou abarcar o mundo com as pernas?

― Ora, comadre, deixa de lorota e me responda quem é: “Já houve um homem no mundo, o qual sem culpa morreu. Nasceu primeiro que o pai, sua mãe nunca nasceu. Sua avó foi sempre virgem, até que o neto morreu”.

― Ah! Querendo bancar a esperta, neguinha? Foi Abel, querida!

― Horrorosa, você sabe de tudo, mas eu tenho outra: “Verde foi meu nascimento, e de luto me cobri. Para dar luzes ao mundo, mil tormentos padeci”.

― Bem, dá-me um tempinho para eu pensar. A propósito, as quitandas estão prontas?

― A comadre Lia já assou muita coisa, inclusive a rosca da rainha, que dá um trabalho danado para amassar. Mas vai ser uma festa de muita fartura. O Agnaldo está com certa dificuldade em arranjar a lona para cobrir a tolda, mas eu falei: “Se não tiver jeito, vai lá no Sô Chico que ele cede as folhas de bananeira”. A gente sempre fez assim, por que agora tem de ser esse luxo de lona?! E, por falar nisto, comadre, a azeitona nasceu verde, ficou preta e foi esmagada para dela se tirar o azeite, entendeu?

―Nem sei porque me diz isso, eu sabia! E já que hoje você está muito engraçadinha, eu também lhe pergunto: “Sou uma moça bonita, das perninhas delicadas. Ao som da minha trombeta, jogam-me as bofetadas”. Quem sou?

― Comadre, esta fui eu quem inventou, quando as muriçocas nos atentavam naquele piquenique, não se lembra? Inclusive, tenho outra, criada no mesmo dia: “Nós dois somos irmãos, ambos de uma mãe nascidos. Porém eu sou mais cristão, o qual meu irmão não é. Quando vou à missa, sempre lá por mim se espera, mas eu não sei temperar como meu irmão tempera”.

― Olhe, vou ter que desligar, a minha panela já começa a cheirar queimado.

― Se não sabe a resposta, comadre, não precisa ficar nervosa, eu digo: vinho e vinagre. Está vendo como eu sou boa para vocês, comadre?! Ei, venha para cá antes do pôr do sol, para me ajudar na arrumação da mesa do café. Quero deixar tudo pronto o quanto antes, pois, na hora do terço, vou ter uma conversa muito séria com São João. Ele se recusou a me arranjar um namorado, sob a alegação de que esse assunto é com Santo Antônio. Para todo pé torto há um chinelo que serve. Eu, até agora nada! Comadre, não desliga, não, escuta mais esta: “Você diz que amor não dói, amor dói no coração. Quem tiver seu amor longe, veja lá se dói ou não”. E viva São João, cambada! 

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