Vidas sempre importam

Raimundo Bechelaine

Agosto chegou trazendo-nos acontecimentos realmente lamentáveis. Parece até confirmar a crendice que o apelida de mês de mau agouro. Afinal, quando se quer, é sempre possível realçar fatos negativos, como também omitir aqueles que ocorrem nos outros meses. Graças ou desgraças acontecem em qualquer período.  

No Líbano, uma terrível explosão matou centenas e feriu e desabrigou milhares de pessoas. Um desastre que poderia ter sido evitado. No Brasil, o desastre é outro. A explosão da incompetência, da irresponsabilidade e falta de liderança e coordenação trouxe-nos à marca de mais de cem mil mortos pela peste do coronavírus. É outra tragédia que poderia ter sido evitada, se tivéssemos um governo capaz de coordenar ações, como se vê em outros países. 

É impossível não ser tomado por um profundo sentimento de impotência, tristeza e indignação por tantas vidas e existências interrompidas. Em meio a tudo isto, que já é muita desgraça, agosto levou-nos ainda duas figuras internacionalmente conhecidas.

 Quarta-feira passada, aos 71 anos, faleceu o cacique Aritana Yawalapiti, acometido da covid-19. Desde a juventude, lutou em defesa dos indígenas, dos seus direitos e da sua cultura. Tornou-se um símbolo da causa. Pela coerência e perseverança, deixa uma imagem que bem se enquadra na moldura do “bom selvagem”, de Rousseau e José de Alencar.

Sábado passado, na Santa Casa de Misericórdia da cidade paulista de Batatais, morreu dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de Prelazia de São Félix do Araguaia. O óbito não foi causado pela pandemia do covid-19. Após tê-lo visitado no hospital, dom Moacir Silva, arcebispo de Ribeirão Preto, declarou: “Dom Pedro é um ícone no Brasil, pela sua dedicação plena e total ao povo de Deus, de modo especial aos mais pobres e necessitados. Sofreu diversos reveses na vida por esta opção, mas sempre foi fiel a Cristo, à Igreja e à missão". 

De fato, ele foi perseguido pela ditadura militar de 64 e, várias vezes, ameaçado de morte. Era também teólogo, escritor e poeta. O site oficial do Vaticano noticiou sua morte sob o título: “Igreja no mundo se despede de dom Pedro Casaldáliga, falecido hoje, aos 92 anos”. Ainda em vida, uma homenagem deve ter-lhe tocado o coração: em fevereiro deste ano, o papa Francisco citou, na Exortação Apostólica “Querida Amazônia”, um dos seus poemas (Carta de Navegar por el Tocantins Amazônico).

Enfim, uns passam em silêncio pelo mundo, quase imperceptíveis. Outros tornam-se conhecidos. Porém toda existência humana tem um significado insubstituível, traça sua história irrepetível. Daí seu valor único. [email protected]

Comentários