Vida no interior

Leila Rodrigues

Tudo começa com o galo cantando. É ele que anuncia o dia ainda antes de o sol nascer. Depois vem o cheiro de café coado na hora, o biscoito frito e a neblina da manhã na serra. Só quem vive aqui sabe que privilégio é esse. O rádio conta as notícias da noite. Daqui, da redondeza e do resto do mundo. Enquanto tomo o café, ouço as notícias e verifico a agenda do dia. Depois do café começa o corre-corre. 

Reuniões, discussões, decisões e muito trabalho. Todos correm. A luta de quem vive no interior não é menor que a da cidade grande. O que se percebe muitas vezes na nossa convivência com quem está nos grandes centros – principalmente se este grande centro está em outro estado – é que eles acreditam que no interior só existe pasmaceira e que nossos neurônios trabalham na velocidade dos jegues. 

Alto lá! Aqui existe inteligência, adrenalina, correria, empenho e muita dedicação. Não é porque eu gasto 15 minutos para fazer o percurso casa-trabalho que eu tenho tempo de sobra para dormir depois do almoço. Aqui também se planeja, executa, monitora, entrega, solicita, compra e vende. Assim como vocês que estão do outro lado da serra. Nossos dias são corridos como o de qualquer outro cidadão. 

Depois do trabalho vem o inglês, o MBA, a faculdade, o esporte, o dever de casa do filho, o grupo de estudo, a reunião, a internet... Como acontece em Xangai, Berlim ou em São Paulo. O que nos difere é que o nosso tempo de ir e vir é bem menor, nossos letreiros luminosos ofuscam menos nossos olhos cansados e a quantidade de pessoas é proporcional ao PIB de nossas cidades. 

Não somos alienados, sabemos muito bem que a diferença é grande. Mas isso não significa que a inteligência não reina em nossas cabeças. Para qualquer um que venha negociar ou discutir conosco, preparem-se, porque vocês podem se surpreender. E venham com conteúdo porque vocês vão precisar de muito para nos convencer de alguma coisa.

Perdemos em oportunidades e possibilidades, mas ganhamos em qualidade de vida. Ganhamos um pouco mais de tempo com as pessoas que amamos, ganhamos um pouco mais de endorfina e alguns créditos de anos na conta da vida de cada um. Perdemos quando concorremos com os metropolitanos por estarem eles no centro do furacão, mas ganhamos quando se avalia a coragem de competir com o adversário cada vez mais difícil. Afinal, passamos a vida inteira tirando leite de pedra.

Lutamos para sermos reconhecidos, para cumprirmos nossos compromissos, para entregar nossas metas e para vencermos o desafio de crescer sem perder a nossa identidade. Lutamos para que nossas cidades cresçam e se desenvolvam, mas também lutamos para que nossa cultura, nossa história e nossos valores sejam preservados. 

Não queremos nos comparar a ninguém, mas não podemos aceitar que nos diminuam pelo nosso jeito simples de ser ou o nosso sotaque interiorano.

Pode ser que, no fim do dia, quem vive na cidade grande tenha as mais diferentes e desafiadoras possibilidades e eu tenha apenas o cheiro doce do manacá e meu velho e bom computador, que, diga-se de passagem, me leva aos mesmos lugares que o seu.

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