Ver ou enxergar?

Rodrigo Dias 

Ver é uma faculdade biológica, característica da maioria dos seres vivos. Enxergar é faculdade cognitiva e tem a ver com a nossa compreensão das coisas, de acordo com o repertório de vivências que vamos acumulando com o tempo. Dito isso, é preciso afirmar que nem todo mundo que vê, enxerga.

Ver é questão aparente. Enxergar exige um pouco mais de profundidade. Em tempos tão insanos, como o atual, vemos muitas coisas e outras tantas deixamos de enxergar. Às vezes por falta de repertório nosso mesmo. Noutras é porque aquilo que deve ser visto é apresentado como mais vistoso e aí ficamos só nessa primeira fase, sem enxergar de fato.

Quem me acompanha até aqui, nesse artigo, deve estar achando um pouco confusas as colocações e talvez esteja mesmo. Mas a questão é que estamos deixando de enxergar coisas importantes decididas agora e que poderão impactar na vida de milhares de pessoas, num futuro próximo.

Enquanto se discute se volta ou não o futebol por aqui. Se o Queiroz deve ou não delatar seus comparsas, o novo marco legal do saneamento básico foi aprovado pelo Senado e agora seguirá para sanção presidencial.

Em certos aspectos necessários, noutros controversos. A questão é: muitos acreditam que o novo marco legal do saneamento básico deveria ser mais bem discutido e até mesmo ter tido a votação adiada para uma sessão presencial, devido à importância da matéria, e não on-line, como foi.

Na defesa do marco, está que a medida universalizará o acesso a água e esgoto tratados. Um dos pontos críticos a ele é que o custo da tarifa de água deve subir, e que regiões onde o investimento no serviço de água e esgoto for mais oneroso – em relação à quantidade de pessoas atendidas – esse custo poderia desestimular a iniciativa privada a realizar tais investimentos. Empresas que atuam nesse setor visam lucro e não teriam a finalidade social, como as companhias públicas e as autarquias que geram estes serviços nos estados e municípios.

Esse é outro ponto: a concorrência entre companhias públicas e autarquias versus a iniciativa privada. Entenda-se como iniciativa privada grandes multinacionais, como a Coca-Cola, que têm interesse nesse setor e com o novo marco terão mais capacidade de atuação, já que ele estabelece a concorrência via licitação, e não mais por contrato de programa.

A discussão em torno de abrir as reservas estratégicas de um país ao capital privado, sobretudo ao internacional, causa desconforto e está longe de algum consenso. O fato é que enquanto o Brasil abre suas porteiras a esse tipo de investimento, o mundo faz o caminho inverso de reestatização.

De acordo com um levantamento feito pela Transnational Institute, centro holandês de estudos em democracia e sustentabilidade, esse movimento ocorre em cidades de vários países como Alemanha, França, Hungria, Argentina e Bolívia. O principal argumento para que isso ocorra é a percepção de que as empresas que prestavam os serviços não eram capazes de cumprir com o total das obrigações envolvidas, considerando os serviços ineficientes, investimentos insuficientes e aumento de preços.

Em meio à pandemia, enquanto vemos, outros enxergam por nós.

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