Vacina obrigatória
José Horta Manzano
Em matéria de saúde, cabe ao poder público informar, orientar e aconselhar a população; em seguida, com a informação no bolso, é a vez de cada um decidir por conta própria.
Tirando menores de idade, impotentes e pacientes com problemas mentais, nenhum cidadão deveria ser submetido a nenhum procedimento médico contra sua vontade. Em tese, é assim que funciona em país civilizado.
Por esse princípio, ninguém deveria ser obrigado a tomar vacina. Acontece que, na prática, a teoria é outra. No Brasil, a colossal desigualdade social faz que a informação não atinja com a mesma precisão todas as camadas da população.
O cidadão esclarecido entende facilmente que a vacina – “chinesa” ou não – é a única tábua de salvação disponível contra a epidemia. Já no cidadão humilde o pavor da injeção pode superar o medo da covid; fugirá da picada e continuará exposto a ser contagiado e contagiante.
Assim, soluções que funcionam em sociedades homogêneas podem não dar certo entre nós. Em alguns países altamente civilizados, vacinação não costuma ser obrigatória. É o caso da Suíça, por exemplo, onde cada um decide por si. No Brasil, deixar total liberdade a todos os cidadãos é caso complicado.
O problema já existia antes da internet, mas o advento das redes sociais e de toda a cacofonia que ela difunde agravou a situação. Hoje, basta um indivíduo – mal informado ou mal intencionado – soltar um boato sobre supostos perigos da vacina, e pronto: logo uma multidão de “fólouers” sai por aí repetindo a mesma asneira. Quando esse indivíduo mal informado (ou mal intencionado) é o presidente da República, a difusão do pânico é mais abrangente.
Agora vem a parte irônica da situação. Quanto mais o presidente esperneia, mais seus devotos repicam o boato e mais gente foge da vacina. Se a consequência disso se resumisse ao contágio dos que recusaram a vacina, azar deles: terão escolhido seu destino. Mas é que o problema não para por aí.
O dramático é que essa turma vai apanhar covid e vai entupir os hospitais; e vão acabar ocupando o leito de honestos cidadãos que se vacinaram, mas precisam de atendimento por alguma outra doença. O alastramento da doença concorre para a superlotação de UTIs e para a falência do sistema hospitalar – situação que não interessa a ninguém.
Portanto, o esperneio do presidente surte efeito contrário ao que ele deseja: acaba reforçando a necessidade de impor a vacinação obrigatória, a fim de evitar o colapso da rede nacional de saúde.
É irônico. Mais ainda, aflige que ele não se dê conta disso.
José Horta Manzano – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe.