Tribunais superiores no juizado especial

Existe um consenso no sentido de que a Justiça é lenta, cara e complicada, não se mostrando compensador submeter questões singelas à apreciação do Poder Judiciário e, rotineiramente, ouve-se que o “advogado recorre muito” e seria esta a justificativa para a lentidão.

Mas é direito da parte postular o reexame das questões levadas à análise do Judiciário, e os recursos são os instrumentos colocados à disposição do cidadão para provocar esse reexame do julgamento.

Visando resolver a questão da morosidade e custos da Justiça, foi criado o microssistema dos juizados especiais (Lei 9.099/95), em substituição ao antigo juizado de pequenas causas da Lei 7.244/84, o que facilitaria o acesso à Justiça.

Pela limitação de recursos, os juizados especiais representam um modelo de supressão do devido processo legal, e, dizendo de um modo mais simples, com a entrada em vigor da Lei dos Juizados Especiais, permitiu-se a criação de um órgão jurisdicional que pode dizer qualquer coisa sobre o direito ordinário.

Explico: das decisões proferidas pelas turmas recursais, resta apenas um caminho, limitado a decisões que afrontem à Constituição Federal, cujo cabível é recurso extraordinário destinado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em tese, caberia recurso especial destinado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em situações de afronta à legislação hierarquicamente inferior à Constituição.

Acontece que não se pode trilhar o caminho do recurso especial de decisões oriundas dos juizados especiais em interpretação ao artigo 105, inciso III da Constituição Federal, que assevera que compete ao STJ julgar recurso especial contra decisão do Tribunal Regional Federal (TRF)/Tribunal de Justiça (TJ), de modo que as turmas recursais não são nenhuma dessas hipóteses, e, caso afrontem legislação infraconstitucional, não cabe o recurso de competência do STJ.

Vale lembrar que as turmas recursais nada mais são que a segunda instância dos juizados especiais, ou seja, as turmas julgam os recursos das sentenças proferidas pelos juízes dos juizados especiais.

Ante ao obstáculo encontrado para correta analise da legislação trilhou-se um caminho diferente, qual seja, “reclamação”, prevista no regimento interno do STJ. Houve, então, uma enxurrada de reclamações que chegaram ao STJ, que, visando resolver esta situação, lançou a polêmica Resolução 03/2016, que delegou a competência deste tipo de recurso para as câmaras reunidas ou à seção especializada dos tribunais de Justiça estaduais.

Tal atribuição é fortemente criticada, pairando diversas dúvidas acerca de sua validade constitucional, pois, segundo a resolução, caberá a atribuição de processar e julgar reclamações destinadas a dirimir a divergência entre acórdão proferido por turma recursal e a jurisprudência do STJ.

Augusto Cesar Neves Lima Filho, em texto de sua autoria, menciona as palavras da ministra Nancy Andrighi, que rememorou um caso histórico em que, no século VII, o imperador chinês Hang Hsi teria ordenado forma peculiar de tratamento aos súditos que se dirigissem aos tribunais.

Deveriam os cidadãos ser tratados de forma impiedosa, inescrupulosa e humilhante, de forma a contraírem medo dos tribunais e juízes. Acreditava o imperador que um sistema judiciário célere e funcional estimularia a litigância, levando a uma infindável quantidade de casos, a qual o Estado não teria meios de suportar.

Treze séculos depois, a história vem mostrando uma diferente realidade, na qual o fator decisivo de desestabilização social é a litigiosidade reprimida, uma vez que a população pode ser estimulada a buscar meios alheios ao sistema legal para solucionar seus conflitos.

Assim, não é justo que se limite o direito ao acesso à Justiça causando receios nos jurisdicionados por imposição de limites na forma de recorrer, sendo necessário que se busque uma forma eficaz para se rever decisões que violam a própria lei, salvo melhor juízo, criando-se no âmbito dos juizados especiais estaduais a turma de uniformização, conforme concebido na Lei 12.259/01, uma vez que está situada no âmbito do mesmo juizado especial, porém na esfera federal.

 

Euler Manata Elói – Advogado e conselheiro subseccional da 48ª Subseção da OAB/MG em Divinópolis – E-mail: [email protected]

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