Tragédia da piedade

João Carlos Ramos

Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em 20/01/1866 no município de Cantagalo/RJ. Foi nomeado correspondente de guerra, em Canudos. Como tal, escreveu o clássico livro brasileiro intitulado “OS SERTÕES”, que é um relatório em estilo literário dos fatos acontecidos em Canudos, onde o lendário fanático religioso Antônio Conselheiro liderava um grupo revolucionário, pregando a volta de dom Sebastião, que restauraria a monarquia. O rebelde beato reunia entre seus milhares de seguidores, camponeses, escravos recém-libertos e indígenas revoltados contra o regime republicano opressor.

O livro lhe rendeu inúmeras homenagens e a cadeira de número 7 da Academia Brasileira de Letras, tendo como patrono Castro Alves e o antecessor Valentim Magalhães (fundador). O famoso escritor havia se casado com Anna Emília, filha do major Solon Ribeiro, um dos maiores propagandistas do ideal republicano. Após o casamento, ela passou a se chamar Anna Emília Ribeiro da Cunha. Traçamos ligeiramente o perfil do escritor, porém, o seu relacionamento com a referida esposa era envolto em brumas e altamente propenso a grandes desilusões. Ausente da família por questões de ofício e uma vez presente, se comportava com extremo autoritarismo, despertando carências e revolta íntima em sua esposa.

Uma vez em Canudos, o escritor a houvera deixado em completo abandono sentimental e financeiro. Anna se hospedara em uma humilde pensão, totalmente desconsolada e sem expectativa de melhoras. Nesse ínterim, por acaso, também se hospedara na mesma pensão um jovem desconhecido, chamado Dilermando de Assis. O encontro foi fatal e eles se apaixonaram à primeira vista. O jovem lhe ofereceu flores para cicatrizar, com seu suave odor as feridas de sua alma, totalmente despedaçada. Feliz, ela viu nascer o sol da esperança nos olhos do jovem militar. Ele desconhecia o estado civil do objeto de seu amor e, ao saber, prometeu-lhe amor eterno. Juntos, apostaram em uma paixão sólida e avassaladora, dispostos a arcar com as consequências. Não tardou muito e olheiros de plantão comunicaram a Euclides, detalhes do infortúnio. Totalmente furioso, arquitetou o plano da vingança. Quatro dias antes do fim da guerra de Canudos, ele voltou para sua terra a fim de dar cabo ao seu funesto intento. No local, chamado PIEDADE, ele tentou assassinar Dilermando com seu revólver, mas, para sua dupla infelicidade, o amante de sua esposa foi mais rápido no gatilho e, mesmo ferido, deu-lhe um tiro mortal. Abrindo um parêntesis, dez anos após a tragédia, o filho de Euclides tentou vingar a morte do pai e foi igualmente morto.

A imprensa da época deu imensos destaques ao fato e, obviamente, os julgamentos em sua maioria foram a favor do famoso escritor Euclides da Cunha. O triângulo amoroso trouxe graves consequências para todos os envolvidos.

Jamais poderemos entender os labirintos do coração e o que nos aguarda no futuro. Até hoje se discute nas rodas acadêmicas e na sociedade de modo geral sobre em quais ombros devem cair a culpa.

Analisando friamente, a culpa começou com as atitudes de Euclides e o restante foram tristes consequências. Para os radicais, a honra deve ser lavada com sangue, e para muitos religiosos foi um amontoado de pecados que serviram de lição, esquecendo, porém, que foram feitos do mesmo barro e trilham o caminho do imprevisível. Agora, que todos os três estão mortos, juntamente com a imensa maioria de seus contemporâneos, qual é a sua opinião?

Ainda em vida, ao ser entrevistada, Anna de Assis afirmava: "Eu não errei, eu amei”!

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