Tentativas de suicídio quase dobram em um ano

Maria Tereza Oliveira

Uma das principais consequências que a depressão pode trazer é a morte. O número de pessoas que tentam ou conseguem tirar a própria vida aumenta a cada ano. Por isso, a prevenção ao suicídio e valorização à vida são temas abordados nesta edição, seguindo a série de reportagens sobre o Setembro Amarelo. Para fundamentar ainda mais o tema, ouvimos o psiquiatra Thales Henrique Oliveira Diniz e uma mãe que teve de lidar com uma tentativa de suicídio da filha.

Dados

Os números de Divinópolis são assustadores. De acordo com informações divulgadas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ao Agora, entre 1º de janeiro e 31 de agosto deste ano foram realizados 84 atendimentos em razão de tentativas ou suicídios consumados. Em comparação com o mesmo período do ano passado, quando foram registrados 47 atendimentos, o número subiu 78,7%.

Se a comparação for feita com as outras 53 cidades atendidas pelo Samu, a quantidade registrada em Divinópolis é ainda mais assustadora. Isso porque, no mesmo período, os números nas 54 cidades atendidas são 391 (consumados e tentados). Ou seja, Divinópolis corresponde a ¼ dos atendimentos do Samu.

E não para por aí. O Corpo de Bombeiros atendeu de janeiro a julho deste ano, 109 casos. Somando-se aos números do Samu, se tem um total de 193 atendimentos.

Sentindo na pele

A filha da advogada Adriana Ferreira não entrou nestas estatísticas. Adriana passou a ser um rosto conhecido na militância em prol da valorização da vida. Ela se envolveu mais no assunto quando sua filha adolescente, de 16 anos, tentou se matar.

— É uma dor que não quero que nenhuma mãe sinta, mas há uma dor pior, que é quando não conseguem salvar. É o que tem acontecido frequentemente, infelizmente — apontou.

Ela conta que, ao notar o que havia acontecido, procurou ajuda e conseguiu salvar a filha. Embora doloroso, o episódio a fez rever sua postura como mãe.

— Eu fiz uma leitura errada dos sinais. Por exemplo, ela passava o fim de semana no quarto e eu achava que ela estava descansando, quando, na verdade, ela estava se isolando do mundo, inclusive de mim e da família — contou.

Adriana destaca que seu intuito é impedir que outros pais passem por esta situação e, por isso, resolveu divulgar sua história.

— A depressão não é um problema exclusivamente meu. As pessoas têm medo e vergonha de falar, mas essa família de propaganda de margarina não existe. Todos temos problemas e precisamos enfrentá-los. E este capítulo, em que quase perdi minha filha, me fez rever a maternagem — disse.

Adriana conta que se tornou mais carinhosa com a filha, e agora percebe as nuances dela, que um dia está bem e em outros não.

— A depressão não tem cor, idade ou classe social, porque a partir do momento em que o cidadão tem consciência de si, ele já está com risco de ter gatilhos. Então é um assunto que representa todos nós e depende de nossa coragem em procurar ajudar — contou.

O contato com o psiquiatra tem sido fundamental para a filha de Adriana.

— Por mais que a gente dê carinho, amor e apoio, a ajuda psiquiátrica e psicológica é necessária. Porque a depressão é uma doença que, em muitos casos, precisa de tratamento e isto só pode ser ofertado por um profissional. Inclusive os pais precisam estar bem mentalmente, porque pode acontecer de também se deixar levar e cair na depressão — apontou.

Olhar profissional

O psiquiatra Thales Henrique Oliveira Diniz trabalha na área há cinco anos e hoje atua no Serviço Especializado de Referência em Saúde Mental (Sersam), na Casa de Saúde Bento Menni, no Complexo de Saúde São João de Deus (CSSJDD) e na rede pública em Itaúna.

— A idade média dos pacientes que eu tenho atendido com pensamentos suicidas são jovens de 15 a 29 anos. Mas, de forma alarmante, tenho visto nos consultórios o aumento de tentativas e suicídios consumados de crianças e adolescentes. Isso tem me deixado preocupado — revelou.

Sobre as causas, o psiquiatra contou que a maioria das pessoas que tentam suicídio sofre com transtornos mentais.

— Este transtorno muitas vezes aparece ou se agrava com gatilhos externos, de fator de estresse. O que a gente mais vê são questões familiares, relacionamentos afetivos e frustrações gerais do dia a dia. Mas é importante salientar que é preciso ter uma doença prévia — contou.

Bullying e pressão

O psiquiatra explica ainda que as cobranças da sociedade influenciam na saúde mental.

— Nós vivemos em uma sociedade que cobra muitos padrões, seja ele de sucesso, de beleza, de maior rentabilidade possível, tanto financeira quanto trabalhista e social. A maioria das pessoas não consegue se encaixar nestes padrões e, por isso, se frustra — exemplificou.

Segundo ele, o bullying também é um fator agravante. O profissional ressalta a importância de abordar o assunto com os estudantes.

— Acredito que precisamos falar mais sobre saúde mental nas escolas para que as crianças se conscientizem e percebam o efeito devastador do bullying. Muitas vezes, a vítima não apresenta repercussão na 1ª ou 2ª infância, mas esses traumas se manifestam na vida adulta — apontou.

Dentre os impactos, o médico citou que as vítimas do bullying podem sofrer com baixa autoestima.

Medicação

Para os pacientes que precisam de medicação no tratamento, há de se ter mais cuidados por parte dos familiares, segundo o psiquiatra.

— Em geral, é preciso se atentar à fiscalização do uso correto. Isso porque, infelizmente, a maioria das patologias psiquiátricas afeta um pouco a “crítica” do paciente. Porque, em alguns casos, depois de um tempo, eles acreditam que não precisam mais do remédio, que vão ficar bem. E isso compromete o tratamento — contou.

Thales revela também que orienta os familiares a observar se os pacientes estão tomando a dosagem certa e nos horários recomendados.

— A medicação é uma parte fundamental do tratamento e, uma vez que há evolução e o paciente melhora sua capacidade crítica, ele pode ficar responsável por sua própria medicação — disse.

Fale e quebre o tabu

O psiquiatra revela que o preconceito é um tabu que tem dificultado a busca de ajuda profissional.

— Infelizmente, ainda hoje, as doenças psiquiátricas estão envoltas em preconceitos e estigmas muito grandes. As pessoas têm medo de serem taxadas de “doidas” e isso impede que elas procurem um médico — contou.

Thales ainda salientou que a única forma de quebrar este tabu é através do diálogo.

— É preciso falar sobre a doença mental e também sobre o suicídio. Porque, apesar de muitas pessoas acreditarem que falar estimula alguém a cometer o autoextermínio, é o contrário que acontece. Percebo que, quando se fala do tema, o paciente se sente acolhido e seguro para pedir ajuda. Entre 50% e 60% dos suicidas nunca tiveram acesso a um médico da psiquiatria. Metade das pessoas passou por sofrimento intenso até chegar ao ato de tirar a vida — finalizou.

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