Talentos

Na época de Cristo, um talento valia 6.000 denários. O denário era uma moeda de prata usada para pagar um dia de trabalho. Pesava 3,6 gramas, portanto, um talento equivalia a 21.600 gramas de prata (3,6 gramas vezes 6.000). O valor atual da grama de prata é cerca de R$ 10. Se ainda usássemos o talento como dinheiro, ele valeria aproximadamente R$ 216.000 (21.600 gramas vezes R$ 10). Na parábola dos talentos, o primeiro empregado ganha cinco: R$ 1.080.000. O segundo recebe dois: R$ 432.000. E, o terceiro, um: R$ 216.000,00.

Os dois primeiros dobram seus dotes, enquanto o terceiro devolve o seu inalterado. Por quê? Porque tinha medo: “Eu sabia que o senhor é um homem severo, que colhe onde não plantou e junta onde não semeou. Por isso, tive medo, saí e escondi o seu talento no chão. Veja, aqui está o que lhe pertence” (Mateus 25, 24-25). Esse servo foi considerado “mau e negligente”. Primeiro, devido à percepção errada que tinha do patrão: “homem severo, que colhe onde não plantou e junta onde não semeou”. Segundo, porque teve medo. Foi paralisado pelo receio de arriscar e perder.

O medo é a atitude dominante nos que não se dedicam, não se entregam, não confiam. Enfim, não se esforçam para desenvolver as suas habilidades pessoais. Qual foi, então, a reação do patrão? “Tirem o talento dele e entreguem-no ao que tem dez. Pois a quem tem, mais lhe será dado, e terá em abundância. Mas a quem não tem, até o que tem lhe será tirado. E lancem fora o servo inútil, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mateus 25, 28-30).

Com o tempo, a palavra “talento” passou a significar aptidão, dom, habilidade, capacidade. Essa metamorfose é atribuída justamente a essa parábola, na qual o termo é usado de forma metafórica. Ali o dinheiro da época representa a bondade de Deus, que distribui os dons de acordo com a capacidade de seus filhos. Dinheiro não compra aptidões, mas há certos dons que geram dinheiro. Não há dinheiro no mundo que possa comprar o talento musical de um Mozart ou de um Beethoven. Por outro lado, a criatividade de um Steve Jobs ou de um Bill Gates foi capaz de gerar enormes fortunas.

Qual é o seu talento? Qual é a sua capacidade de realizar algo que apresente um grau de dificuldade maior para os demais? Como desenvolvê-lo? Cristiano Ronaldo, considerado atualmente o melhor jogador de futebol do mundo, aos 18 anos tinha dificuldade em acertar o gol. Treinou escondido até conseguir se destacar. O talento está ligado a uma paixão consumidora pelo que se faz. É algo que gostamos tanto de fazer que fazemos muito — nos dedicamos, nos entregamos e confiamos. A repetição cria no cérebro caminhos neurais consistentes que levam à realização de determinadas tarefas com mais facilidade que a média das pessoas.

Gosto de escrever pela manhã, porque — depois de criar um artigo ou de revisar um livro — eu me sinto mais leve, mais feliz, pronto para desfrutar do resto do dia. O prazer de escrever conduz a uma disciplina diária que aprimora essa aptidão. Já experimentei períodos pouco produtivos e, por isso mesmo, de baixa autoestima. Portanto, existe uma relação sinérgica entre o exercício do talento e a satisfação pessoal. Daí a sabedoria do senhor da parábola que elogia e gratifica os que multiplicam seus dons — mas censura àquele que não se dedicou — pois “àquele que muito tem (dedicação, entrega, confiança), mais lhe será dado e terá em abundância. Mas àquele que nada tem (não se dedica, não se entrega, não confia), o pouco que tem lhe será tirado”.

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