CREPÚSCULO DA LEI – VIII

Quanto mais democrática é uma sociedade, mais ela permite que ditadores sejam eleitos. Quanto mais liberdade há numa sociedade, mais uns poucos fortes tendem a usá-la para controlar outros fracos.

Em uma sociedade prevalentemente racional, o paradoxo central deveria ser o seguinte: a tolerância não pode tolerar a intolerância. Entretanto, o absurdo se fez imperar sobre os paradoxos iniciais: a intolerância reina em terras brasilis e, o que é pior, sob uma assistência plácida da maioria.

Há um estado de letargia por estas bandas, uma espécie de anestesia moral, um torpor que se espalhou de tal sorte que praticamente nada causa mais assombro no país do carnaval.

As pessoas não mais estranham absurdos. E são tantos. Como a intolerância já traz intrinsecamente o absurdo da seletividade, eis que a intolerância maior ocorre em relação à classe mais baixa deste país.

Em contrapartida, tudo se tolera para uma elite que insiste em subverter a nação aos seus mandos, desde a época da escravatura, tão fatídica quanto mal abordada.

Não se tolera sequer a farmácia popular ou uma maldita bolsa família para os pobres - são “vagabundos” - mas é perfeitamente tolerável desde os auxílios-qualquercoisa até o perdão - do governo atual, via Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - de dívidas fiscais insignificantes como 338 milhões do banco Santander, 25 bilhões do Itaú ou 17 bilhões dos ruralistas.

Além disto, é intolerável manter os custos da previdência, exigindo-se sua urgente reforma. Entretanto, até agora ninguém demonstrou ou provou que ela realmente é deficiente. Fato é que empresas privadas aguardam ansiosamente pela capitalização da aposentadoria terceirizada.

E ainda, quando da posse do atual ministério, tolerou-se em vinte e dois ministros escolhidos, que pelo menos nove deles estivessem envolvidos ou investigados por corrupção. Nenhuma liminar apareceu para impedir a posse de qualquer um deles.

Enquanto isso, 13 pessoas foram mortas em uma única operação policial no Rio de janeiro no dia oito de fevereiro. Sempre nos morros.

Não se trata de “defender bandido”, mas de alcançá-los a todos, inclusive aqueles ligados à milícia, no mesmo Rio de janeiro.

Sem embargo, há um anteprojeto de lei sendo discutido em Brasília apresentado pelo ministro Sérgio Moro - o qual também teve seu nome citado em procedimento de apuração, conforme o advogado Rodrigo Tacla Durán, que já foi ouvido em tele-audiência (Brasília, DF).

Analisando o anteprojeto apresentado por Moro, já se considerando que a comunidade jurídica não foi devidamente ouvida, as sugestões envolvem um chorrilho de intolerâncias em desfavor dos mais vulneráveis – em relação aos crimes de corrupção pertinentes ao governo atual, praticamente nada ainda se ouviu do mencionado ministro.

Uma das sugestões mais debatidas envolve os casos de legítima defesa, prevista artigo 23 do código penal. Segundo os rascunhos apresentados, havendo excesso na legítima defesa, ocorrerá o seguinte: o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção (sic).

Isto significa que o eventual despreparo emocional do agente será contornável, bem como a banalização do excesso violento será a primeira das considerações para fins exclusão do ilícito. Algo bem próximo da legitimação do atirar primeiro, perguntar depois.

Mais uma vez: não se trata de “defender bandido”, mas sim de se colocar no lugar das potenciais ou possíveis vítimas de pessoas armadas e medrosas, ou simplesmente inseguras. Quem se arriscaria?

Da forma como as coisas andam, toda intolerância não será castigada, numa modesta alusão ao saudoso Nelson Rodrigues.

(*) Dedicado à Capistrano de Abreu

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Domingos Sávio Calixto é professor de Criminologia e Direito Penal da Faculdade Pitágoras e doutor pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA)

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