Sobre penalidades, sobre nós e sobre outro

Domingos Sávio Calixto - CREPÚSCULO DA LEI - LXXIII

  1. Ninguém questiona o médico que atende a um estuprador agredido por “companheiros” de cela; 
  2. Ninguém questiona o engenheiro que constrói a casa de um traficante; 3. Ninguém questiona o cirurgião plástico que faz a melhora estética em político corrupto; 4. Ninguém questiona pastores que recebem, em segunda chance, as mais diversas almas perdidas. Claro que não!... 5. Então, por que (diabos) o advogado penalista é sempre questionado ao assumir a causa de algumas destas mesmas pessoas?
  3. (...)   

Claro que a resposta perpassa por técnicas de expansão do estado policial, aquele mesmo que faz por atrofiar o estado democrático, dentro do qual se instalam as garantias individuais da pessoa humana. O estado policial não se dá bem com “baboseiras” constitucionais, muito menos com direitos e garantias individuais, afinal, “bandido bom é bandido morto!”.

Sob esse aspecto, é importante que o senso comum seja alimentado por esse tipo de falácia, de tal sorte que – por absurdo – sequer o próprio senso comum saiba que está agindo em seu próprio desfavor.

À custa dessas previdências cósmicas que pendulam no destino de todos, eis que muitos desses arautos do “bandido morto...” são surpreendidos em investigações policiais e, óbvio, nessas horas todos eles correm para os braços de seus respectivos (quem?)... advogados!

Nesse sentido observa-se um misto de canalhice e covardia dessas pessoas que não reconhecem o valor e a importância do defensor, pois que menosprezam os advogados penalistas e as respectivas garantias individuais da pessoa humana em se tratando do outro, ou seja, muito fácil falar de “bandido morto” quando o tal bandido é o outro (!), mas, quando “o chicote muda de mão”, lá vão eles, correndo freneticamente, em busca de direitos que sempre negaram aos... outros!

O outro que ocupa a Presidência da República, por exemplo, certamente, não iria gostar que se usasse a técnica do “bandido morto” contra membros de sua família. Claro que “em nós” não! Ele – que ocupa a Presidência – que tantas vezes se declarou favorável à tortura – também não iria querer ver Fabrício Queiroz sendo torturado para que ele esclarecesse o esquema das “rachadinhas” ou a morte de Marielle Franco. Evidentemente que “em nós” não!

Da mesma forma, o outro que foi ministro da Justiça (?), tão adepto de condenações por meras convicções, também se agarrou com o resto de força que lhe restava à primeira tábua do seu barco destroçado, d’onde “pedia por provas” como boias da salvação em face das acusações (muitas) que se lhe atribuíam.

Ao contrário do que possa parecer, a discussão aqui não é política, talvez nem jurídica. A questão que se alude é de sobrevivência social, é uma questão de vida (ou morte) em sociedade, a tal vida digna (ou vida em abundância).

É a vida que pauta o direito das pessoas, e quando se fala em pessoas é exatamente isto: o outro, o outro que vive em nós. Desejar o mal do outro é arquitetar contra nós, porque algum dia seremos o outro. Nunca seremos sempre nós.

Esse é o papel do defensor penalista: ele é quem acode o outro que é nós, exatamente naquela hora em que o nós não reconhece o outro, e quando os outros acham que são… os outros!

Se estiver difícil de entender, “atire a primeira pedra!”, nas palavras do maior defensor penalista que se tem notícia, que se fez (em) nós pelos outros.

Este texto é dedicado ao doutor José de Oliveira Fagundes, honroso advogado de Joaquim José da Silva Xavier, um “perigoso bandido” conhecido pela alcunha de “Tiradentes”.

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