Sobre amor, dignidade e liberdade

Laiz Soares 

Sobre amor, dignidade e liberdade

A pandemia nos traz faltas e distanciamentos enormes e irreparáveis: as vidas que se foram, aqueles que perderam empregos, quem perdeu ou paralisou seus sonhos, o fato de não podermos ver nem abraçar muitos dos que amamos. Tudo nos falta: a paz, a leveza, em muitos momentos a alegria. Mesmo em meio a tanta dificuldade, é possível expandir nossos corações, mentes e perspectivas, buscando o conhecimento e a evolução, estudando, orando e exercendo a nossa espiritualidade, praticando esportes, ajudando os outros, lendo, encontrando maneiras de escapar da dor, preocupação e tensão que nos ronda. Estou nesta busca diária, este é meu refúgio nesse momento.

Nessa caminhada, nesta semana tive o presente e o prazer de me deparar com um conteúdo que me ensinou muito e me trouxe reflexões ricas e transformadoras. Vi e revi a entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura da professora e escritora Chimamanda Ngozi Adichie. Uma grande mulher que estudou nas melhores universidades dos EUA e que nasceu e cresceu na Nigéria, cujos livros são sucessos mundiais, e que se tornou um ícone na literatura, na moda e na pauta das mulheres no mundo. A marca Dior fez uma famosa camiseta “We should all be feminist” (Todos deveríamos ser feministas) baseada em um livro dela.

Uma das suas mais recentes obras é “Notas sobre o Luto”, na qual a escritora fala sobre a dor da perda do pai. Ela começa a entrevista falando do sofrimento de ter perdido o pai e em seguida a mãe. Chimamanda diz não conseguir traduzir em palavras todas as emoções e sensações que tanto sofrimento traz, e que seu luto se liga a tantos outros neste momento no mundo. Surpreendentemente se diz grata pelo sofrimento que está vivendo, porque o fato de ela sofrer tanto agora significa que teve o privilégio de viver um amor bonito, forte e inesquecível e ter se dado tão bem com os seus pais, oportunidade e presente que nem todos têm na vida.

Além de falar com uma perspectiva linda do amor e do luto, ela fala de ódio e da atual cultura de cancelamento: “A raiva aliena, precisamos saber por a raiva no bolso, trazer fatos e contar histórias para tocarmos de verdade o coração das pessoas”. Como uma intelectual que luta contra a ignorância, preconceitos e racismo, ela reforça a importância de querermos e nos esforçarmos para conhecer de verdade as histórias sobre as pessoas, países, culturas. Em “O perigo de uma história única”, a autora fala sobre seu país, a Nigéria. “Ser um ignorante sobre as realidades das pessoas e dos países dificulta bastante a gente conseguir se engajar de forma honesta e verdadeiramente útil no mundo.”

Chimamanda explica também que o famoso e temido “feminismo” não é sobre tirar direitos de um grupo (no caso, os homens), e sim sobre dar direitos a um grupo que não tem (mulheres). Uma mulher que rompeu com um relacionamento abusivo no qual sofria violência é uma mulher na essência feminista, que buscou sua dignidade e integridade. Uma mulher que trabalha e cuida dos filhos também. Uma mulher que ensina seu filho homem a realizar tarefas domésticas está sendo revolucionária assim como a mulher que corre atrás de seus sonhos e sabe do seu valor como pessoa e profissional. Existem vários tipos de feminismo e importa pouco se uma mulher se intitula ou não assim. O importante é construir sua autonomia, ter coragem de romper com o padrão convencional do que esperam de você, lutando por respeito e espaço para decidir sobre sua vida.  “Ser livre para ser dona dos próprios erros. Ser intelectualmente independente, ser capaz de pensar por si mesma, ser capaz de aprender.”

A ideia é que não precisemos mais desse conceito um dia, pois as mulheres terão a mesma dignidade, respeito e oportunidades como seres humanos que os homens hoje têm no mundo: teremos nossas vidas valorizadas, não teremos nossos corpos violados por agressões e abusos, não seremos vistas como objeto sexual ou de enfeite, teremos autonomia e espaço na sociedade para pensar, ser, agir e falar como quisermos. É simples e complexo, porque é sobre humanidade, dignidade e liberdade, valores e princípios em falta e em crise que precisam urgentemente serem resgatados neste momento.  Agradeço por poder me resgatar com essa experiência. 

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