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Manual do progressismo festivo divinopolitano em 10 lições rápidas

Márcio Almeida 

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Manual do progressismo festivo divinopolitano em 10 lições rápidas

  1. FIQUEMOS NAS REDES SOCIAIS. A militância presencial – com idas às ruas, faixas e palavras de ordem – é para os que querem voto e apoio político. Nós, com raras exceções, ficamos em casa porque só queremos likes.
  2. PERMANEÇAMOS HIPERIDENTITÁRIOS. Traz pouco engajamento virtual propor que pobres, negros, mulheres e membros do segmento LGBTQUIA+, sendo igualmente excluídos, se juntem em torno de pautas inclusivas comuns. Isso funciona apenas para quem articula candidaturas. Nós só articulamos ideias. 
  3. FALEMOS NOSSA PRÓPRIA LÍNGUA. Levemos às ruas o jargão dos diretórios partidários e dos simpósios acadêmicos. Quem precisa falar a língua do povo sem mestrado e doutorado são os outros. Nós, progressistas, só pregamos para pós-graduados.
  4. TENHAMOS PAIXÃO PELAS SIGLAS. Frentes suprapartidárias, com sua ênfase em resultados, não combinam com as múltiplas bandeiras das nossas exclusivistas campanhas eleitorais. Entre nós é cada um por si, ainda que a vitória fique longe de todos. 
  5. LIMITEMOS NOSSO REPERTÓRIO. Para que nosso discurso viralize, aceitemos os limites de debate ditados por nossos interlocutores e nos contentemos com a discussão de temas de identidades e costumes. Nada de discutir a execução de macropolíticas econômicas e sociais, a solidez das instituições democráticas ou a qualidade dos serviços públicos. Isso, obviamente, não gera memes.
  6. NÃO GASTEMOS TEMPO COM TRABALHO SOCIAL. Ele pode ser melhor empregado em rodas de debate em que nos sentamos para apontar nossa superioridade intelectual e política sobre os que tentam matar a fome local e assim caem no reformismo que tanto abominamos. 
  7. SEJAMOS EXCLUSIVISTAS. Se somos religiosos, vivamos a experiência da fé como se a política fosse incompatível com a espiritualidade. Se não cultivamos a religiosidade, rotulemos previamente os religiosos como fundamentalistas que atribuem todos os problemas do país ao sobrenatural.
  8. NÃO DESÇAMOS DO MURO. Vamos nos mostrar indignados, mas não muito, corajosos, mas nem tanto. Afinal, a melhor visão da festa é a que se tem de cima do muro. Além do mais, convicções profundas não combinam com o nosso clima festivo. 
  9. ESQUEÇAMOS O QUE É LOCAL. Limitemos nossa atenção à política nacional, que não nos traz a incômoda necessidade de falar sobre ruas esburacadas ou dificuldades de atendimento nas unidades de saúde. A discussão da injustiça social só compensa quando circula em rede nacional.
  10. CONTINUEMOS NO "TUDO OU NADA". Só aceitemos falar de revolucionárias mudanças estruturais, sem misturar à nossa fala propostas de curto ou médio prazo ou alianças em temas específicos. Essas são estratégias para espíritos práticos. Nós, progressistas festivos, somos criaturas essencialmente utópicas.

Márcio Almeida é professor, advogado e jornalista 

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