SES gasta R$ 20 milhões por mês com processos

Matheus Augusto                    

Entre a vida e a morte, um processo burocrático – milhões de reais. Pacientes que precisam de medicamentos para o tratamento necessitam, por vezes, recorrer à Justiça. No entanto, nem sempre o trâmite judicial tem a velocidade necessária para atender o paciente. A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou ao Agora que são gastos aproximadamente R$ 280 milhões por ano com processos judiciais.

— Atualmente o gasto da SES-MG com a judicialização é de cerca de R$ 280 milhões, o que representa uma despesa média de um pouco mais de R$ 20 milhões a cada mês, considerando todos os tipos de medicamentos ou demandas judicializadas em saúde — informou a pasta.

Para se ter ideia do valor, com esse recurso, é possível pagar toda a folha salarial da Prefeitura por mês.

Alternativas

Tendo ciência do alto gasto, a secretaria informou que está atuando em duas frentes. A primeira é uma tentativa de, junto a outros órgãos, realizar a compra de medicamento por preços mais baixos. A segunda alternativa é agilizar os procedimentos internos da pasta para a obtenção dos medicamentos não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

— Atualmente estamos buscando a centralização de compras juntamente com a Seplag [Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão], para ganhar margem de negociação com os fornecedores, em processos maiores e consolidados com a demanda de outros órgãos e áreas do Estado, tentando, assim, comprar com preço melhor. Outra ação em estudo são apurações para avaliação e formulação de protocolos internos da SES/MG para atendimento destes casos que ainda não estejam disponíveis no SUS — informou.

Como funciona?

A Secretaria de Estado informou que os remédios disponibilizados gratuitamente pelo SUS são determinados através das demandas coletivas apresentadas.

— Conforme a Lei 12401/2011, a incorporação de novos medicamentos no SUS é responsabilidade da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec). Contudo, cada ente federado possui autonomia para definir a relação de medicamentos a serem disponibilizados. Assim, o Estado possui sua relação de medicamentos, disponível no link http://www.saude.mg.gov.br/images/SAF/REMEMG/REMEMG%202019%20SITE_DIVULGAO.pdf — explicou a SES.

Ainda segundo a pasta, os municípios não podem fazer a inclusão de medicamentos, mas têm a possibilidade de solicitar os remédios da lista estadual.

— Da mesma forma, os municípios elaboram sua Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (Remume) levando em consideração a Relação Estadual de Medicamentos de Minas Gerais (Rememg) e a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), podendo incluir ou não medicamentos constantes em tais normativas, além de poder adicionar outros itens conforme o perfil epidemiológico de sua população — detalha.

Direito

O advogado e presidente da Comissão de Projetos Jurídicos da Associação dos Advogados do Centro Oeste de Minas Gerais (AACO/MG), Eduardo Augusto Silva Teixeira, explicou que o trâmite para obter remédios e outros insumos na Saúde é complicado. Segundo ele, o tempo que o paciente pode esperar e o tempo de resposta da Justiça, por vezes, são incompatíveis.

Existem várias dificuldades de todos os lados para o cidadão; há a dificuldade do não fornecimento do medicamento à população na esfera administrativa - e os que são fornecidos exigem atos burocráticos, como o processo administrativo, que leva meses para uma resposta ao cidadão, além de não haver garantia do fornecimento mensal ao cidadão e de punição pelo não fornecimento do medicamento pelo ente público, permanecendo impune do descumprimento da ordem judicial — explica.

O advogado também conta que é exigida uma série de documentos comprovando que a pessoa não tem condições de adquirir o medicamento ou insumo, e que todas as alternativas foram esgotadas.

— No âmbito judicial, esbarra-se com o recurso repetitivo, que fixou uma série de requisitos para fornecimento do medicamento, como comprovação de capacidade financeira, registro na Anvisa, relatório com expressa urgência, negativa dos entes públicos – o que torna esse pedido um verdadeiro calvário de sofrimento e protelação, já que não é de fácil acesso ao cidadão, sobretudo, os mais hipossuficientes — conta.

O presidente da Comissão de Projetos Jurídicos afirma que é fundamental encontrar uma maneira de superar esse problema, uma vez que a demanda é grande e urgente. Ele também volta a ressaltar que, mesmo com a decisão judicial positiva, ainda não há garantia de receber o medicamento ou insumo.

— Sem contar a precariedade do quadro pessoal do judiciário, que não consegue atender a todas as demandas judiciais, fora parte dos magistrados, que adotam posturas desumanas questionando até mesmo a definição do que é insumo, negando fraldas a idosos e alimentação enteral. Por fim, quando se consegue a liminar, depois de vários procedimentos desumanos, depara-se com o não fornecimento desses medicamentos, gerando novo calvário para o cidadão e sua família - quando verificada a negativa do ente público, a espera de atos judiciais em busca de bloqueios judiciais nas contas dos entes públicos — destaca.

Por fim, Eduardo Augusto cita que situações como essas resultam do desperdício enorme de verba pública, simplesmente pela falta de organização e agilidade na estrutura operacional.

— A verdade é que os entes públicos gastam milhões de reais pela inoperância do sistema - isso porque atender a demanda com previsões orçamentárias e organização da entrega desses medicamentos ano a ano não exigiria do cidadão a judicialização. Doutro lado, a atual situação é cômoda para os entes públicos, pois, acaba que o judiciário está servindo de balcão de atendimento do cidadão, quando deveriam ser atendidos pelo SUS. O judiciário atualmente faz o papel das secretarias de saúde, pois, pela negativa no setor administrativo, acaba servindo de triagem, fiscalização, restrição e meio de pagamento. O erro está nos entes públicos que protelam a organização do sistema de entrega de medicamentos e insumos. Não se pode esquecer que o cidadão paga seus impostos pela vida toda e tem o direito ao melhor tratamento de saúde — ressalta.

Caso

Como narrado pelo Agora na edição de 12 de julho, o advogado e presidente da Comissão de Projetos Jurídicos da AACO/MG, Eduardo Augusto, tratou de um processo judicial na área da Saúde. O advogado entrou com um pedido na Justiça para conseguir quatro unidades de fraldas geriátricas por dia para seu cliente, que sofre de incontinência urinária e fecal. Na decisão, emitida no fim do mês de quando o pedido foi protocolado, o juiz negou a solicitação, alegando que se baseou em diretrizes constitucionais e decisões anteriores.

O advogado entrou com um processo após tentar ajudar o cliente pelas vias municipais e não conseguiu. Através do programa “Farmácia Popular”, do governo federal, ele teria apenas um desconto de R$ 3 no produto. Pelo Município, o idoso teria que ir, a cada dez dias, ao posto de saúde buscar um relatório para obter a fralda.

O homem, de 73, também sofre com Alzheimer e já teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ele vive, basicamente, acamado, e seu salário mínimo é gasto quase todo com remédios e fraldas. E sua realidade não deve mudar tão cedo a depender da Justiça.

 

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