Sem fantasia

Augusto Fidelis

“A nossa vida é um carnaval / a gente brinca escondendo a dor / a fantasia do meu ideal / é você, meu amor. / Sopraram cinzas no meu coração / tocou silêncio em todos os clarins / caiu a máscara da ilusão / dos Pierrots e Arlequins.” Esta marcha carnavalesca, composta e imortalizada por Moacyr Franco, ilustra bem a situação que a humanidade vive no atual momento. Os clarins vão continuar em silêncio, porque os festejos de Momo estão cancelados, pela primeira vez.

Os dias de folia se aproximam, porém, nada é como antes. Onde estão aqueles que, em 2020, vilipendiaram a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo? Em São Paulo, o carnavalesco Edgar Júnior, da Escola de Samba Mancha Verde, teve o despautério de dizer que, ao colocar a representação de Jesus arrastada pelo diabo na avenida, o seu intuito foi mexer com a religiosidade das pessoas. Conseguiu o objetivo, chocou muita gente, mas a escola perdeu o título de campeã, teve muitos problemas com carros alegóricos e o mais triste: neste ano seus tambores não vão rufar. 

No ano passado, o aviltamento não se limitou a São Paulo, porque, no Rio de Janeiro, a Mangueira, escola de tantas tradições, ousou rebaixar a imagem de Cristo para promover críticas sociais de forma muito desrespeitosa. O enredo de Leandro Vieira deixou os mais sensíveis boquiabertos com tanto desdém. Como agravante, os líderes religiosos se calaram, não protestaram, não mostraram a esses transviados a gravidade de tal afronta.

As músicas de carnaval mais antigas, muitas delas fazem críticas à política e à sociedade, mas de maneira elegante e humorística, como “Na boca do povo”, de Alvarenga e Ranchinho, de 1951: “Rio de Janeiro, cidade que me seduz. / De dia falta água, / de noite falta luz. / A minha grande mágoa é lá em casa não ter água e eu preciso me lavar. / Trabalho não me cansa, / o que cansa pra chuchu / é pensar que lá em casa não tem água / nem pra lavar o lulu”.

Infelizmente, na atualidade, o desrespeito pelo sagrado está cada vez mais acentuado. Homens e mulheres teimam em não se reconhecerem como criaturas e insultam o Criador. Se refletissem sobre  o quanto a vida é curta, talvez pensariam mais um pouco no que o destino lhes reserva, porque a morte é certa. 

O filósofo romano Sêneca, que foi conselheiro do imperador Nero, legou à humanidade esta preciosidade: “A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização  de importantes tarefas. Ao contrário, se desperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não respeita nenhum valor, se não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai”.

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