Sebrae Minas incentiva empreendedorismo negro

Da Redação

A afirmação da população de cútis preta ou parda desponta mundialmente. Entre a população brasileira, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em pesquisa realizada entre os anos de 2015 e 2018, o grupo de pessoas que se declaram pretas ou pardas foi o único que cresceu.

Em 2019, essa parcela da população já representava mais de 56% dos brasileiros, ou seja, dos 209,2 milhões de habitantes do país, 19,2 milhões se assumiram como pretos, enquanto 89,7 milhões se declararam pardos.

Segundo a ativista e cantora Yêda Labrunie, esse crescimento se deu pelo fato de o povo preto estar ganhando mais força e consciência para assumir de fato sua raça, por meio de trabalhos realizados por diversos movimentos pretos.

— Uma prova disso é que o preto está assumindo mais seu cabelo, entendendo que somos bonitos como somos — diz Labrunie.

Empreendedores atentos às novas tendências de mercado têm investido em negócios especializados em atender às necessidades de homens, mulheres e crianças da raça negra. E entre os empreendimentos mais promissores estão indústrias e estabelecimentos comerciais especializados em produtos cosméticos e acessórios voltados para o segmento.

Há alguns anos, isso era coisa rara.

— No meu tempo, se a gente quisesse usar um shampoo, só tínhamos como opção o que todo mundo usava. Você só conseguia escolher entre shampoos para cabelo seco, oleoso ou misto. Agora não, tem quase tudo personalizado para meu tipo de cabelo e meu tom de pele. Isso é maravilhoso, mas ainda falta muito para se chegar ao ideal — comenta a professora Márcia Lúcia da Silva.

Sem dúvida, o setor de beleza é o que mais tem investido em produtos para pessoas negras. São itens para cabelo, maquiagem e acessórios, salões especializados nos cuidados com o cabelo e a pele negra, entre outros, que têm ganhado força e conquistado um mercado que atende a mais de 50% da população brasileira.

— Alguns estudos têm mostrado que o poder de compra do negro está crescendo. Por isso, investir em negócios que possam suprir mais e melhor a necessidade desse grupo de pessoas pode ser algo bastante promissor — observa o gerente da Regional Centro-Oeste e Sudoeste do Sebrae Minas, Leonardo Mól.

Nem só de samba, rap, faxina e cozinha vive o negro

Patrícia Kelly dos Santos é mestre em química e há 15 anos trabalha com cabelos blacks, um aprendizado que iniciou com as amiga africanas que conheceu na Universidade Federal de Viçosa, onde se formou. Hoje ela é proprietária da Niari Cosméticos, cujos produtos são de fabricação própria.

A trajetória profissional da Patrícia começou aos 12 anos, trabalhando como doméstica em casas de família.

— Aos 16 anos, passei a me envolver com o empreendedorismo. Produzi e vendi doces e atuei no setor de confecção de roupas, com minha irmã. Mas, para nós, mulheres e negras, empreender não é algo tão fácil. Então, fomos estudar — conta.

Ao concluir a faculdade, ela retornou a Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, e passou a lecionar.

— Nos fins de semana, trabalhava com penteados afro. A demanda cresceu tanto que resolvi abandonar a carreira de professora para me dedicar à beleza negra, porque isso fazia mais sentido para mim —, diz.

Foi por meio do incentivo de um amigo que trabalhava com cosméticos que ela começou a fabricar produtos químicos voltados para pessoas pretas.

— É muito difícil encontrar algo que realmente nos represente. E assim passei a associar esse trabalho com meu salão — recorda.

O Sebrae também contribuiu para o sucesso da Patrícia, de sua sócia Elissandra Flávia dos Santos e de sua irmã Carla Caroline dos Santos.

— O Sebrae foi muito importante em nossa trajetória. Foi lá que, para melhorar nosso desempenho empresarial, fizemos muitos cursos, como Precificação, Como Calcular Lucro, Planejamento, Plano de Vendas, Comercialização e Estratégias de Marketing. Também tivemos acesso a inúmeras consultorias do Sebrae e participamos de alguns eventos de empreendedorismo em Belo Horizonte — completa a empreendedora.

Patrícia reforça o quanto é importante ter um produto ou serviço voltado para um público específico.

— Todos os públicos têm um produto específico para eles e nós, negros, ainda não somos nem considerados como público. Por isso, esse mercado ainda é muito pequeno — explica.

Carla Caroline dos Santos é irmã da Patrícia e proprietária de uma loja também localizada em Divinópolis, que vende cabelos e acessórios como brincos, tiaras, apliques, turbantes, cosméticos etc. A loja é muito movimentada e as vendas não pararam nem mesmo no auge de pandemia.

— Nosso maior público, sem dúvida, são mulheres pretas. A maioria delas está passando ou já passou pelo processo de transição, que consiste em assumir o “black", seu cabelo natural. Quando tivemos que fechar a loja na onda vermelha da pandemia, as vendas on-line e delivery bombaram — conta a empresária.

— Temos uma resposta muito positiva e gratificante do nosso público. As mulheres se sente mais valorizadas e isso é lindo de ver e sentir — acrescenta Patrícia.

Mais história

A empresária Marciléia Rosária dos Santos Napoleão também mora em Divinópolis, cidade conhecida por ser um polo da moda. Ela começou a trabalhar aos 11 anos como babá, foi empregada doméstica e descobriu nas vendas seu maior talento.

Depois de trabalhar como vendedora de cosméticos e lingeries, desde 2011, a empreendedora tem uma loja que vende modinha e roupas infantis, a Bem me Quer, que em breve deve mudar de nome.

A empresária Marciléia Rosária dos Santos Napoleão

Para formalizar o negócio e ter sucesso em seu empreendimento, Marciléia buscou apoio no Sebrae Minas.

— O Sebrae me ajudou e ainda ajuda com várias consultorias. Me tornei MEI e fiz cursos de finanças. Isso contribuiu bastante — conta.

Ela diz que no começo abriu uma lojinha na garagem de sua  casa, com ajuda da mãe.

— Como sou uma mulher de muita fé, sempre acreditei no trabalho e mantive a esperança em dias melhores. Em 2010, participei de uma promoção feita por um supermercado e ganhei um carro no sorteio. Em 2011, com a ajuda da minha mãe e o dinheiro da venda do carro, montei minha "Bem Me Quer”.

Marciléia diz que o perfil de seus clientes tem mudado muito. Ela conta que, no princípio, quando as pessoas entravam na loja e viam que a proprietária era uma negra, “estranhavam, mas não falavam”.

— Essas coisas a gente percebe no olhar, né? — observa.

Atualmente, a empresária tem investido mais em vendas por meio das redes sociais.

— Depois que comecei a mostrar mais a minha cara nas redes sociais e apresentar meus produtos, percebo que os negros têm procurado mais minha loja e comprado mais. É como se eles se sentissem mais à vontade por sermos iguais. E já estou até pensando em mudar o nome do estabelecimento, mas ainda não defini qual será — diz.

Visão educadora

Márcia Lúcia da Silva é professora de língua portuguesa e literatura e trabalha com alunos do ensino fundamental e médio da rede estadual de Minas Gerais. Ela conta que os anos de experiência em sala de aula provaram inúmeras vezes que a educação é capaz de mudar uma vida.

— Convivo com jovens de todas as classes sociais. Não sei ainda com exatidão, mas percebo que a valorização da raça negra trouxe para esta comunidade o desejo de empreender. Os pátios da escola estão repletos de empreendedores, vendedores e articuladores — observa.

A educadora acredita que é hora de o mercado ter um olhar mais apurado para o público jovem negro.

— Mas, para isso, também é preciso que as escolas profissionalizantes sejam mais diversificadas e ativas. Os bancos de dados digitais precisam captar e encaminhar esses jovens para as empresas corretas. E formar empresários e ter empreendedores na empresa é buscar expansão mercadológica. Todo mundo lucra — conclui.

Em números

Segundo dados do estudo Empreendedorismo Negro no Brasil, realizado pela aceleradora de empresários negros PretaHub, da Feira Preta, em parceria com a Plano CDE e o JP Morgan, empreendedoras e empreendedores negros movimentam R$ 1,7 trilhão por ano no Brasil e mais da metade – cerca de 51% dos brasileiros que empreendem – são pretos ou pardos. Destes, 52% são mulheres.

Por outro lado, esses mesmos empreendedores enfrentam muito mais dificuldades para investir, faturam menos e poucos empregam ao menos um funcionário.

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