Saudade do meu São João

Augusto Fidelis

Eu me lembro como se fosse hoje. Quando chegava o mês de junho era uma festa só. O pessoal celebrava Santo Antônio e São João como se fosse o aniversário de alguém da família. São Pedro também, porém, com mais respeito, porque é ele quem abre a porta do céu.

Na noite do dia 12 para o dia 13, rezava-se o terço na casa da dona Maria do Sô Zé, com muita pipoca e amendoim torrado. O altar era todo enfeitado com fitas e rosas feitas de papel de seda. A Neuza do Sô Sebastião Ribeiro tinha mãos de fada. Havia até quem acreditasse que as rosas fossem de verdade, de tão perfeitas. Antes da contemplação de cada mistério, os devotos diziam com entusiasmo: “Santo Antônio, rogai por nós”.

Na noite do dia 23 para o dia 24, Santa Isabel velava o sono de São João, para ele não deixar o globo cair. Se isso acontecesse, seria o fim do mundo. Enquanto São João dormia, o baile acontecia na casa da dona Biluca. A mesa farta de quitandas, de café forte, quentão e chá de plantas aromáticas.  

Em volta da fogueira, a Salete fazia a simpatia da clara de ovo no copo d’água, para saber quem ia se casar naquele ano. Teve uma vez que a Salete fez a simpatia a pedido da Irani. Ao descobrir o copo, para surpresa de todos, as claras formavam direitinho um casal aos pés do altar. Realmente, a moça se casou em dezembro. Animada, a Maria do Inhô também quis a simpatia, mas não teve a mesma sorte.

Na véspera de São Pedro, a família do Sô Aníbal mandava erguer  fogueira de três metros de altura, dentro do campo de futebol, perto do cruzeiro dedicado ao santo. A comunidade inteira se reunia lá para o terço e animados leilões. “Quem dá mais?”, insistia o leiloeiro, apregoando as qualidades da prenda.

Nem todos acompanhavam as rezas, preferiam ficar em volta da fogueira, porque naquele tempo o frio era medonho, época em que a geada queimava como fogo as folhas das bananeiras. Mas uma época tão boa que até Divinópolis escolheu fazer aniversário no dia 1º de junho, confiando na festança, é claro.

Hoje está tudo mudado. São coisas demais para chamar a atenção e encher o tempo das pessoas. Mais ninguém tem tempo para apreciar o simples da vida, contemplar o belo e inocente. Com suas novelas indecentes, filmes violentos e programas interativos da pior qualidade, a televisão, somada à internet, dita as regras e semeia discórdias. Em muitos casos já não há respeito entre pais e filhos, a família sequer tem tempo para conversar.

Veja só: chegou o mês de junho, é dia de São João e ninguém percebeu, ninguém se dá conta. Só eu, aqui sozinho, às vezes sentado no pé do fogão, às vezes debruçado na janela com a mão no rosto, igual namoradeira, sem uma viv’alma para escutar os meus causos dos tempos de criança. Já não tem canjica, já não tem quentão, já não tem viola, já não tem canção. Eita tristeza! Eita solidão! Até quando, meu Deus? Oh! Meus santinhos juninos, acendam a fogueira no meu coração!

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