Exclusivo: Santa Casa usou R$ 300 mil que eram da UPA, denuncia superintendente

Rafael Camargos 

O superintendente da UPA Padre Roberto, José Orlando Fernandes Reis, denunciou a Santa Casa de Caridade de Formiga por receber recursos da Prefeitura de Divinópolis e não aplicar na unidade. A acusação foi feita formalmente ao Ministério Público (MP) no dia 24 de outubro. No dia 9 de novembro, conforme disse em entrevista exclusiva ao Agora, ele foi demitido do cargo via mensagem de WhatsApp e sem explicação. No momento, cumpre aviso prévio. 

José Orlando narra que assumiu o cargo em setembro de 2016. Desde então, enfrenta falta de materiais básicos e atrasos em pagamentos. Os médicos, por exemplo, estão há três meses sem receber e decidiram, desde ontem, atender somente urgências e emergências. 

Conforme relata o superintendente ao MP, desde 2016, ele solicita autonomia para tomada de decisões. O gestor afirma que, devido à ausência ou demora de respostas por parte da Santa Casa, resolveu, em conjunto com a Diretoria Técnica e Clínica da UPA, adquirir materiais e medicamentos para a unidade. 

Após vários comunicados de cobrança por parte de fornecedores em setembro e outubro, José Orlando solicitou posição do Setor Financeiro da Santa Casa. Alguns estão sem pagamento desde abril. Foi quando recebeu uma planilha de débitos de fornecedores no valor de R$ 299.173,43, com o seguinte título: “recurso repassado pela Semusa [Secretaria Municipal de Saúde] e não autorizado [sic] os pagamentos”. 

O superintendente ainda enviou e-mail à direção do hospital com uma lista de materiais em falta e solicitou a regularização dos pagamentos não autorizados. 

Ao Ministério Público, José Orlando entregou ainda todos os extratos da conta utilizada para movimentações financeiras da UPA. Conforme ele destaca na denúncia, nestes documentos observa-se que transferências para uma conta não vinculada à unidade. 

Contas diferentes 

De acordo com o superintendente existem dois CNPJ’s: um da própria Santa Casa e outro da Organização Social (OS) criada pelo hospital para gerir a UPA. 

O que José Orlando percebeu é que os valores transferidos da conta da OS para a conta da Santa Casa equivalem aos valores que estão em atraso com os fornecedores. 

Contrato sem fiscalização 

Ainda segundo o superintendente, estava prevista, quando a Santa Casa assumiu a UPA, a existência de uma comissão de avaliação do contrato. 

– [...] ela efetivamente não opera, não havendo qualquer controle, avaliação ou auditoria por parte do poder público municipal na unidade – afirma José Orlando na denúncia. 

O que diz o MP 

Procurada pelo Agora, a assessoria de comunicação do MP informou que a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde recebeu, no dia 9 de novembro, ofício assinado pelo diretor clínico da UPA, Rodolfo Monteiro Barbosa, “que relatava, em suma, alguns problemas já recorrentes e possível redução de atendimento, em face de atrasos de pagamentos de plantões”. 

— Em razão disso, foi requisitada ao Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do Ministério da Saúde), uma visita “in loco” na UPA, com urgência, para averiguação do cenário atual — diz a nota. 

O que diz a Santa Casa 

Por telefone, a assessoria de imprensa do hospital informou que a entidade já tem conhecimento da denúncia e que irá se pronunciar oficialmente na quinta-feira, 16. 

O que diz a Prefeitura 

Para explicar a situação, a Prefeitura convocou coletiva de imprensa para a tarde de ontem. Estiveram presentes o secretário de Saúde, Rogério Barbieri, e o vice-prefeito Rinaldo Valério (PV). Em resumo, eles repetiram que faltam recursos, que o Estado e a União têm atrasado repasses e que a administração municipal tem feito o que pode para resolver o problema. Revelaram ainda que a previsão de pagamento dos médicos é para quarta-feira, dia 22, quando devem estar disponíveis recursos repassados pelo Governo Federal. 

 

Confira íntegra de nota divulgada pelo MP 

 

Nota à Imprensa 

 

“A propósito de recentes notícias veiculadas na imprensa sobre a Unidade de Pronto Atendimento de Divinópolis (UPA), o Ministério Público presta os seguintes esclarecimentos à população local  e região: 

1 - Embora tenha ganhado destaque apenas nos últimos dias, a superlotação da UPA de Divinópolis é fato recorrente, data de anos, pelo menos uma década. A superlotação não é um problema da UPA, mas sim da falta de vaga nos hospitais, pois toda Unidade de Pronto Atendimento (UPA) é para atendimento pré-hospitalar, devendo o paciente, em caso de necessidade de internação, ser encaminhado a hospital, em, no máximo, 24 horas. O que vem acontecendo com a UPA de Divinópolis há vários anos é que ela está funcionando, absurdamente, como hospital improvisado. 

2 - A solução definitiva para o problema hospitalar (falta de vagas, capacidade tecnológica, profissionais etc.) da região foi apresentada pelo Estado de Minas Gerais, em 2002 (hospitais regionais robustos, capazes de atender aos 54 municípios da região). No entanto, nenhum dos governos que se seguiu dignou-se a implementá-la efetivamente, preferindo medidas pontuais e ineficazes. Com isso, a situação foi se arrastando ao longo dos anos, houve poucas melhorias nos hospitais e a UPA de Divinópolis continua superlotada, funcionando precariamente como hospital, já que não há para onde encaminhar os pacientes. 

3- Diante da situação de risco em que se encontrava a população e da omissão irresponsável do Poder Público, em 2011 a Promotoria de Defesa da Saúde de Divinópolis ajuizou uma Ação Civil Pública e, desde essa época, existe decisão favorável ao Estado de Minas Gerais para que os pacientes que se encontrem na UPA de Divinópolis sejam encaminhados a hospitais com capacidade técnica para atendimento, no prazo máximo de 24 horas. A decisão coletiva busca beneficiar todos os pacientes, não somente aqueles poucos que têm acesso à Justiça. No entanto, o Estado insiste em não cumprir a determinação judicial. 

4- Fato é que o Ministério Público tomou todas as providências extrajudiciais e judiciais cabíveis e buscou, no Poder Judiciário, a garantia do direito da população à Saúde. 

5- Quanto ao lamentável descumprimento pelo Estado de Minas Gerais da ordem judicial, o Ministério Público segue comunicando, nos autos do processo, tanto o descumprimento, quanto a situação calamitosa que persiste. Entretanto, cabe ao Judiciário (Juiz da Vara da Fazenda Pública) tomar medidas adequadas para que se faça respeitar suas decisões, sob pena de desmoronar os pilares do Estado Democrático de Direito. 

 

Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde de Divinópolis 

 

Ministério Público do Estado de Minas Gerais” 

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