Sábado é dia de folclore

Augusto Fidelis

Izaltina está furiosa com esse tal de corona. Onde já se viu uma coisa dessas atrapalhar a festa de Nossa Senhora do Rosário! Izaltina está coberta de razão: há anos ela é a encarregada de fazer o tutu tonto e as carnes do grande almoço servido aos reis e dançadores, oportunidade em  que recebe muitos elogios e fica de ego inflado. Neste ano, para Izaltina é só frustração. “Como as coisas puderam chegar a esse ponto, meu Deus!” – lamenta aos quatro cantos.

Lembro-me como se fosse hoje do almoço do ano passado: Izaltina, ao pé do fogão de lenha, embora atarefadíssima, não deixava de cantar: “Minha mãe sempre dizia, que casá num presta, não. Eu quis experimentá, e dei com a cara no chão”. Quando alguém a interpelava  sobre o porquê de tanta alegria, a cozinheira-mor explicava: “Tenho de cantar para espantar os males. Aprendi com a minha mãe. Quando ela estava triste, aí é que ela cantava de verdade, como uma cigarra. Acho que herdei o seu destino. Meu pai não levava as coisas muito a sério e deixava toda a responsabilidade nas costas da mulher. O Celinho faz o mesmo comigo. Tem hora que até desconfio que ele tem outra mulher. Vagabundo!”.

Toda vez que tem oportunidade, seja dia de festa ou não, Izaltina exibe seus conhecimentos folclóricos: “Tem coco de coqueiro, e tem coco de viola. Um tem água na cabeça, e o outro, verso na cachola. O bom lenhador sabe em que mato lenha, mas a gente, quando é jovem, não pensa bem as coisas. Eu poderia estar solteira, feliz, sem tanto drama. Mas é aquele negócio: quem nunca comeu melado, quando come se lambuza, e como me lambuzei! Se o novo soubesse e o velho pudesse, não haveria nada mais que não se fizesse. Mas coração dos outros é terra que ninguém vai. Eu, por exemplo, invejo a comadre Cenira. Ela já tem 50 anos de casada, e ainda hoje o compadre Ricardo abre a porta do carro para ela. O maior dengo!”.

Ainda ontem me encontrei com a Izaltina, que caminhava apressada, como sempre. Logo eu quis saber o porquê de tanta correria, já que neste ano não há festa. Ela justificou: “Vou até à casa da dona Maria Miúda, para que ela me benza.  Vi aquela mulher ali da esquina rezando nas minhas costas. Deve achar que eu estou muito bem de vida, né?”.

Também, como de costume, reclamou da filha:  “A Leca é uma menina boa, mas a gente tem de ficar de ferrão em cima. Está ali: trabalho e mais trabalho sobre folclore.  A professora passa dever de casa e eu é que tenho de fazer. O Celinho podia ao menos fazer as pesquisas para a Leca, mas não faz. No entanto, todas as vezes que me pega falando sozinha, ele diz que estou ficando doida. Vagabundo! E seja como for, salve o dia 22 de agosto”.

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