Reportagem especial: passo a passo da tragédia que chocou Divinópolis

Três assassinatos, um suicídio e duas cidades abaladas

Ricardo Welbert

Sexta-feira, 11 de agosto de 2017. 20h. O soldado militar Igor Quintão Vieira, de 23 anos, está na casa de número 903 da rua Espírito Santo, no bairro Sidil, em Divinópolis. De folga do trabalho, ele visita pela primeira vez a casa da família da namorada, Aline Guimarães Rodrigues, de 34 anos. Eles se conheceram há um ano, durante o Curso de Formação de Sargentos que fazem na Academia de Polícia Militar (PM) em Belo Horizonte. O objetivo da visita, ao menos aparentemente, é de conhecer os parentes da bela moça com quem há três meses ele mantinha um relacionamento que, aos olhos de amigos e colegas de farda, parecia feliz.

Sábado, 12 de agosto de 2017. 2h30. As paredes internas da casa número 903 da rua Espírito Santo, no bairro Sidil, testemunham cenas que poucas horas mais tarde seriam imaginadas por muita gente. Sem testemunhas e imagens de circuito interno, duas pessoas são assassinadas. Em um dos quartos, Aline, a doce namorada, leva um tiro no ouvido. Em outro dormitório, Elisabete Guimarães, 66, também é alvejada à queima-roupa. Tiro na cabeça. Fatal. 

Sábado, 12 de agosto de 2017. Horas entre os tiros e o amanhecer. Não há vídeos, não há fotos. Não há registro que revele exatamente o que Igor fez depois de atirar na namorada e na sogra. Teria ele chorado? Conversado com os corpos? Bebido para espantar o calor? Afinal, era uma madrugada quente. Não é preciso ter matado duas pessoas para saber que aquilo geraria suor. Mas pessoas frias suam?

Sábado, 12 de agosto de 2017. Falta pouco para os primeiros raios de sol brotarem no horizonte. Igor segue rumo a Rio Pomba, na Zona da Mata, terra natal. Se escolheu seguir pela BR-040, percorreu 362,1 quilômetros. Se optou pelo trajeto que passa pela BR-494 e BR-262, o percurso foi um pouco menor: 302,7 quilômetros. Não se sabe qual foi o caminho que ele escolheu para viajar. Sabe-se apenas os rumos que ele deu à própria vida. Aliás, não só à própria.

Sábado, 12 de agosto de 2017. A luz solar já vence alguns pontos da neblina que paira sobre a relva molhada de sereno. Igor pega o celular e dá início a uma narrativa que entraria para as páginas da história como a confissão de um crime bárbaro. Em palavras duras feito pedra, confessa ter assassinado Aline e a mãe dela. Diz que não poderia aceitar que a própria mãe – senhora de bem, querida por todos e que aparece bonita na foto junto do filho – sofresse ao saber do que seu menino – moço de bem, querido por todos e que ela viu bonito na Globo dia desses, dando entrevista sobre uma ocorrência qualquer, que ela nem se lembrava sobre o que era, só sabia que tinha o filho lindo – foi capaz de fazer. De um local incerto no mapa da vida, Igor dispara o torpedo. Disseram que não foi torpedo, mas sim WhatsApp. Dane-se, pois o efeito era o mesmo. O alvo do míssil é um irmão que mora em Rio Pomba. 

Sábado, 12 de agosto de 2017. Por volta das 6h. Talvez menos, talvez mais. Fossem deveras torpedos ou mísseis, aquelas palavras doeriam menos. O irmão de Igor mal consegue segurar o telefone. Lê e relê a mensagem que recebeu. Quantas vezes, ninguém sabe e nunca saberá, porque nem ele sabe. Irmão em choque. Desespero. Chama os parentes. Corre pra casa da mãe. Coração dispara. Meus Deus do céu!!! Arrepio incessante. Igor, o que fizeste?

Sábado, 12 de agosto de 2017. 6h30. O telefone toca na sede da PM em Rio Pomba. No outro lado da linha, parentes desesperados de Igor. Corações que disparam, arrepios incessantes. Igor, o que fizeste? Eles tentam narrar o que viram – ainda viam – na casa da família, no bairro Rosário. Dona Eloisa Santa Quintão Vieira, 48, jaz em uma cama com um tiro no ouvido. Ao lado do corpo dela está agora o do filho Igor. Ferido na cabeça, tem nas mãos um revólver de calibre .38. Arma que era dele.

Sábado, 12 de agosto de 2017. Mais ou menos 7h. Chocados com a comprovação da tragédia anunciada, os policiais telefonam ao comando militar em Divinópolis e fazem um alerta sobre o que pode ter acontecido na casa onde, sabiam, morava a soldado Aline. Enquanto as viaturas se deslocavam, sirenes a mil, a Polícia Civil era informada. Mandem viaturas! Mandem peritos!

Sábado, 12 de agosto de 2017. 9h. O sol já aquece as paredes frias que testemunharam o horror. Policiais estão na casa de número 903 da rua Espírito Santo do bairro Sidil em Divinópolis. A casa da nossa querida Aline, gente! Vamos entrar! Olha neste quarto que eu olho no outro! Caramba!!! Meu Deus do céu!!! Arrepios incessantes. Igor, o que fizeste???

Cada corpo em um quarto, cada cabeça com uma bala. Chegam as mãos enluvadas dos peritos. Puxam, observam e fotografam. Nenhum vestígio de briga no quartos. Aline e Elisabete não parecem ter resistido ou tentado fugir. Nas camas, quase dormiam. Quase. Agora com balas nas cabeças, uma em cada, já não dormiam o sono dos justos, do qual foram retiradas à queima-roupa. Será que acordaram? Não se sabe. Não havia câmeras. Só paredes. 

Sábado, 12 de agosto de 2017. A hora já nem importa mais. Traz as caixas. Pega os corpos. Leva embora. Lá pro IML, o instituto médico que chamam de legal.  Notícia ruim corre depressa. Logo o aparente triplo homicídio seguido de suicídio vira o assunto nos grupos de WhatsApp. Em poucos minutos vira manchete nos portais de notícias, nas rádios e nas TVs. A mídia da capital logo se interessa pela história que une com sangue Divinópolis e Rio Pomba. Quatro mortes e duas cidades em choque.

Domingo, 13 de agosto de 2017. 9h. Começam os enterros. Os do militar e da mãe dele ocorrem no cemitério de Tabuleiro, distrito a 12 quilômetros de Rio Pomba. Já os da namorada e da sogra são às 10h, no Parque da Serra, em Divinópolis. Cerimônias marcadas por comoção e inconformismo. Parentes, amigos e até completos desconhecidos dos personagens da tragédia choraram. Lágrimas de incredulidade. Lágrimas de inconformismo. Por quê, Igor?

Lágrimas.

 

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