Reportagem especial: Da Colômbia para a morte em Divinópolis

 

Marília Mesquita 

 Em outubro, a família Velasquez havia alugado a chácara para passarem o Natal, depois de quatro anos sem confraternizarem a data. Mas, na sexta-feira da semana passada, 8, o médico do Hospital São João de Deus, responsável pelo acompanhamento do patriarca, Camilo Velasquez, 56 anos, comunicou que não existia qualquer procedimento que pudesse mantê-lo vivo. Momento em que os planos para o Natal mudaram.  

 Acidente  

Hoje, 16, os filhos irão recolher os restos mortais do pai, em um crematório de Belo Horizonte. Passaram-se exatamente dez dias, desde o momento em que Camilo caiu da motocicleta que pilotava, na avenida Gabriel Passos, no bairro Porto Velho, quando ia visitar um amigo no bairro Nossa Senhora das Graças.  

— Meu pai passou sobre um buraco na pista. Caiu, bateu a cabeça e aconteceu essa fatalidade — explica a caçula Geraldin Velasquez, 20 anos. 

A assessoria de comunicação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) disse na data do acidente, dia 6, que, com a queda, o capacete soltou. A violência com que o corpo foi ao chão provocou um traumatismo craniano. A gravidade da lesão e a falta de reação aos procedimentos médicos fizeram com que os equipamentos que o mantinham respirando, fossem desligados três dias depois. 

O buraco, objeto do acidente, foi tapado pela Prefeitura no dia seguinte.  

Continuidade 

A morte encefálica é o principal requisito para ser um doador de órgãos. O segundo é a autorização dos familiares.   

— Meu pai era uma pessoa boa e apesar dele não estar mais com a gente, pensamos que poderíamos ajudar quem que ainda pode continuar a viver — revelou o primogênito que carrega o mesmo nome do pai, Camilo, 34 anos. 

 

Foram doados o fígado, os rins e as córneas. 

Família 

Camilo deixou três filhos, a esposa, Patrícia, 53 anos, e seis netos. Quando há um ano, ele saiu de Cáli, na Colômbia, e embarcou para o Brasil, o destino era mesmo Divinópolis. O objetivo era ficar próximo dos filhos, que vieram atrás de oportunidade de emprego. Mas, apesar de cada um se instalar em uma região, Geraldin estava prestes a conceber uma filha.   

— Eu moro em Foz do Iguaçu, no Paraná, há quatro anos e fui o primeiro a vir para o Brasil. Minha irmã, Lady Lorena, veio depois e se instalou em São Paulo. Há dois anos veio Geraldin e já que ela tem uma filha pequena e estava prestes a ter outro bebê, meus pais vieram da Colômbia para ajudá-la — explica Camilo.  

O patriarca era vaidoso, alegre e amoroso com todos que o rodeavam. Camilo diz que é pelo homem que ele era que hoje eles se mantêm fortes.  

— Meu pai gostava de andar arrumado, era alegre. Ele era tudo para nós. Apesar da distância física, éramos todos muito próximos e, é por isso, que vamos nos manter fortes. Ele sempre quis o melhor e não gostaria que vivêssemos em luto. Estamos fortes pelo amor — revela.   

Comerciante de móveis na Colômbia, Camilo estava desempregado. Mas o crescimento dos filhos como vendedores de roupas, o animava a ficar.  

 O plano inicial era voltar à Colômbia quando as meninas estivessem grandes. Mas, a possibilidade de trabalho e a adaptação fácil que tivemos com cultura e a gente daqui, nos dava vontade de ficar. Então iríamos voltar para a Colômbia apenas para visita — conta Patrícia.  

Patrícia vai à Colônia em janeiro, porque os parentes e amigos esperam dar um abraço nela. Mas a estadia será curta. Ela volta para reconstruir a vida na companhia dos filhos.  

Corpo    

Apesar das raízes e daqueles que continuam do outro lado da fronteira, o translado é inviável para a família Velasquez. Assim, a opção foi por cremar o corpo. Porém, a burocracia, atrasou o processo e a autorização para o crematório foi entregue apenas na última quarta-feira, 13.  

Após problemas com  grafia do nome, a necessidade excessiva de documentos e a dificuldade para resolver todos os trâmites da morte, hoje, após pegarem as cinzas, Patrícia e os filhos irão procurar uma igreja para que o espírito descanse.  

— Somos católicos e queremos encontrar uma igreja para que possamos deixar o meu pai repousar até minha mãe ir à Colômbia. Ela vai levá-lo e fazer o mesmo por lá — explica Camilo.  

Justiça 

Como a motocicleta é registrada segundo as leis brasileiras, a família deve receber, em 45 dias, o Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (Seguro-Dpvat). Mas para que responsabilidades sejam assumidas, uma profissional foi contratada. 

— Não sabemos de quem é a responsabilidade, mas não queremos que ela não seja assumida — garante Camilo.  

 Obrigação  

Segundo o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros”. Já o artigo 175 da Constituição Federal, frisa no inciso IV, a obrigação de manter à prestação de serviço público de forma adequada.  

Como a avenida Gabriel Passos é municipal, a Prefeitura deve manter as vias em bom estado de conservação, segundo a advogada Bruna dos Anjos.  

 — A falta de manutenção do buraco e de sinalização da condição da via fere a Constituição Federal. A prefeitura tomou providências sobre o buraco, apenas depois que a vítima morreu, então também fere o Código de Defesa do Consumidor — afirma a advogada Bruna dos Anjos.  

Natal 

— Não tem mais chácara. Tudo ficou para trás — conta Camilo.  

Com o imprevisto, todos pretendem se reunir em São Paulo, onde vive Lady Lorena Velasquez, 31 anos. Eles acreditam que é assim o Natal que o pai espera deles.  

 

 

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