Reportagem especial: Aos 46 anos, Cristina decide fazer o Enem e seguir seu sonho

Marília Mesquita

Há 23 anos, Aparecida Cristina dos Santos, 46, mantém a mesma rotina: acorda às 4h20 para que às 5h40 possa estar em frente à máquina que opera na empresa química de transformação que trabalha. Por algum tempo a atividade diária era suficiente, já que garantia o sustento da casa e dos três filhos. Mas, ela decidiu que quereria mais.

— Fiz um curso de massoterapia e me encantei. Então decidi me capacitar para que eu possa ser fisioterapeuta e trabalhar com o que sinto prazer. Hoje sou uma entre os candidatos do Enem — esclarece.

 A caminhada 

No histórico escolar, Cristina tinha o ensino fundamental completo, mas não teve a chance de iniciar o médio. Ela conta que na época teve que abandonar a escola pela necessidade de trabalhar.

— Tive que trabalhar, então larguei a escola. Depois vieram os meninos e foi ficando difícil — pondera.

Mas, chegou 2006 e, com ele, a decisão de retomar os estudos. Aos 35 anos voltou a sentar em uma carteira de sala de aula para cursar o 1º ano do ensino médio, pela Educação de Jovens e Adultos (EJA). Dois anos depois, o diploma estava na mão.

O desejo de conhecimento e o gosto por estética fez com que o curso de massoterapia fosse o próximo passo para transformar a rotina desgastante em uma indústria, no sonho que pretende realizar com a conclusão de um curso superior.

A Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) oferece a graduação de fisioterapia de forma gratuita, mas o horário diurno não iria permitir que Cristina cumprisse o horário de trabalho. Só que a mensalidade de R$ 1.015,97 é alta demais para o rendimento mensal que ela possui. Assim, a possibilidade de uma bolsa integral pelo Programa Universidade para Todos (Prouni) é o facilitador que ela quer alcançar.

Para concorrer à vaga no programa é preciso um bom desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que teve as primeiras provas aplicadas no último domingo, 5, e terá as avaliações de matemática e ciências naturais aplicadas no próximo domingo, 12.

 A preparação

 Cristina tem uma única certeza.

— Não vai ser fácil, mas eu não pretendo abrir mão — garante.

Por isso, há um ano e meio ela vem se preparando para que possa recuperar a deficiência que ela sabe que tem em relação aos jovens que ingressam em uma faculdade após terminarem o ensino regular.

— Eu fiz o EJA, mas não se aprende tudo o que um estudante de ensino médio tem a possibilidade. Os meus 2º e 3º anos foram feitos em seis meses, então tem matéria, que é disciplina do Enem, e eu nunca havia tido contato— conta.

No início, Cristina estudava em casa, mas no primeiro semestre deste ano conseguiu se matricular em dois cursos preparatórios para o exame. Os dois são gratuitos e, junto com as vídeoaulas que assiste, preenche o tempo vago que ela tinha no dia. Em um dos cursos, ela chega às 15h, após deixar o trabalho. No outro, ela fica até as 21h, quando finalmente consegue voltar para a casa.

A nova rotina dessa mulher é mais cansativa do que àquela que mantinha por tantos anos. Mas para ela, a realização deste sonho é maior do que todo o cansaço.  

— Às vezes eu durmo 2h30 por noite. Eu sei que preciso estudar até mais tarde. Mas, é gratificante porque eu estou buscando o melhor para mim — revela.

A meta

No segundo semestre deste ano, 443 mil pessoas se candidataram para as 67 mil bolsas integrais de 1.076 instituições privadas. O comum é que cada curso tenha uma ou duas vagas disponíveis para a modalidade. Mas Cristina é clara quando diz que, se não conseguir, o foco não irá mudar.

— Eu não sei se vou conseguir este ano e sei da dificuldade que tenho para conseguir estudar tantos conteúdos que não tive contato. Na prova que fiz semana passada, minha redação poderia ter sido melhor desenvolvida. Porém, continuo me preparando e não vou desanimar — enfatiza.

E conclui:

— Para realizar um sonho é preciso perseverança — prega.

 

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