Reportagem especial: a vida de quem mora nas ruas de Divinópolis

 

Marília Mesquita

Nem todos conversam. Segundo um senhor, que não quis de identificar e estava embaixo de uma marquise para se proteger da chuva, ele não fala porque não tem nada para falar.

— Morador de rua não tem história não, moça — justifica.

De acordo com a assessoria de comunicação da Prefeitura, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Semds) realiza o monitoramento semanalmente das pessoas em situação de rua na cidade. Mas, não revelam dados, como a quantidade, origem, sexo e média de idade eles.

— O Serviço Social tem os números, mas não divulga por questões de segurança — avisa

Por outro lado, entidades religiosas e filantrópicas como a igreja Ministério Redenção, no bairro Terra Azul, e a Comunidade Sacramento de Amor, que mantém um escritório no bairro Niterói, não hesitam ao falar que com os ensinamentos de Cristo alimentam cerca de 60 “irmãos de rua”, por dia de caridade, com a palavra e com uma sopa.

E, ainda, tem aqueles, que como Alberto de Jesus, 50 anos, mudam de ideia. Ele não queria falar, mas resolveu dizer algumas palavras.

— Essa foi a primeira vez que alguém me abordou para saber sobre o que eu tenho para contar — revela.

História de vida

População em situação de rua é o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, segundo um decreto presidencial de 2009 (nº 7.058 - 23/12/2009). Alberto e José Antônio de Paula, 59 anos, se enquadram em todas as características.

Alberto não é da cidade. Natural de Três Marias, região Central de Minas, vive há três anos pelas ruas divinopolitanas e não pretende ir embora. Ele é mais um que perdeu a casa e a família por causa do alcoolismo. Pelos relatos dele, a vida que há seis anos deixou para trás tinha a esposa; três filhos, de 23, 25 e 27 anos; tinha também a profissão: motorista de ônibus.

— Vivi 30 anos com uma mulher só. Perdi ela para a bebida. As pessoas têm mania de criticar outros tipos de drogas, como maconha, cocaína, crack, mas se esquecem que álcool compra no mercado,  custa R$ 2,50 e vicia do mesmo jeito — revela.  

Ele carrega uma bolsa com os pertences pessoais. Tem um chinelo de dedo no pé e uma roupa no corpo. Tem também uma garrafa de cachaça e uma sacola na qual acumula as latinhas que acha pelo caminho: a bebida e o trabalho são atividades que realiza em parceria com um amigo que o acompanha. Juntos eles bebem até 2,5 litros  da bebida por dia.

Já José Antônio foi criado em Pará de Minas, mas veio para a cidade morar com a irmã.

— Depois de morar 10 anos nas ruas de São Paulo, fui morar com minha tia em Pará de Minas. Quando ela morreu mudei para Divinópolis para morar com a minha irmã. Ela que tratava de mim, me dava cachaça, cigarro, pagava o aluguel e fazia as despesas da casa. Mas, sofreu um aneurisma  e morreu lá na UPA. Então tive que voltar para a rua — recorda. 

Para ele, a rua é como uma casa, nela ele fez amigos, dorme, trabalha e alimenta.  

— Tô velho, ficar na rua e sair dela, dá na mesma. Eu gosto — argumenta.

Assim como Alberto, José Antônio junta materiais para a reciclagem. Assim, a bebida que ele consome é a que ele compra.

— Eu trabalho e compro minha bebida. A comida que eu alimento é a Comunidade Sacramento de Amor que me dá —  conta.

Solidariedade

Há 18 anos, todas as terças-feiras, a pastoral de rua da comunidade católica “Sacramento de Amor” sai da Praça Benedito Valadares (praça do Santuário) às 21h para distribuir em toda à área central dá cidade, os 60 litros de sopa que preparam. Segundo uma das voluntárias, Simone Gontijo, os moradores de rua os esperam para receber a refeição.

— A maioria dos irmãos nós já conhecemos. Entregamos a sopa e rezamos com eles. Falamos um pouco da nossa comunidade e dizemos que se tiverem interesse temos uma casa de acolhimento que pode recebê-los. A sopa é só a desculpa para levar a palavra de Deus — esclarece.

O pastor Marcelo Falconeri, da igreja Ministério Redenção, disse que com o trabalho que realizam na campanha “Dê pão a quem tem fome” já conseguiram recuperar pelo menos 80 pessoas em situação de rua.

— Alguns estão na rua por causa do vício, outros por causa do relacionamento com a família ou depressão. Então quando levamos o alimento, conversamos sobre nossa igreja e nos colocamos a disposição para ajudá-los, se tiverem interesse. Pelo menos 80 pessoas foram encaminhadas para a recuperação e o índice é bom: 70% são reintegradas — revela. 

Ainda de acordo com o pastor, dos moradores que recebem o alimento, 70% eram residentes em Divinópolis. Por questão de segurança, o dado não foi confirmado pela Prefeitura.   

Poder Público

A reportagem conversou com o secretário de Desenvolvimento Social, Juliano Prado.

Apesar dele não precisar quantas pessoas estão em situação de rua na cidade, esclareceu que a Secretaria realiza 20 abordagens sociais  por meio da equipe de assistentes sociais, que busca promover o acesso à rede de serviços e assistências. Revelou que os abordados podem ser encaminhadas para o Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias em Situação de Rua, a casa de acolhimento municipal que oferece 25 vagas para demanda espontânea; ou para o “Serviço Migração”, no qual, uma média de 70 pessoas, são encaminhadas mensalmente para as cidades de origem, quando desejam o regresso. 

— Em determinada data, a equipe sai para fazer as abordagens, porém, nem sempre são aceitos, já que alguns moradores não aceitam a aproximação. É preciso entender que a Secretaria pode oferecer orientação, mas não possui o poder de tirar qualquer morador da rua, se não for da vontade dele. A ação não pode ser coerciva — elucida.

Alberto e José Antônio são alcoólatras. Ambos já foram internados em clínicas de reabilitação pelos familiares em algum momento. Nenhum deles conseguiu seguir com o tratamento.

— O álcool, menina, é poderoso demais. Você tenta sair dele, mas ele toma conta de tudo. Fiquei internado em Conceição do Pará e por um bom tempo não bebi nada. Mas em um belo dia, voltou de novo. Não tem cura, já perdi o controle — desabafa Alberto.  

Para eles, o tempo e as andanças fizeram da rua um lugar agradável.

— Vim para a rua porque meus parentes estavam querendo me ajudar, mas não queria ajuda. Eu gosto de ficar na rua, é como se fosse minha casa. Qualquer lugar que eu deito, eu durmo — conta José Antônio.

Em comum, a fé. 

—Todo dia, todo dia mesmo, eu desço ali na igreja e rezo a Deus pela minha vida — confidencia Alberto.

Deus dá para gente a vida, eu só agradeço. Peço nada para Deus não, a vida tá boa, tenho saúde, preciso pedir nada não. Mas se pedir, eu sei que ele dá — conclui José Antônio.  

Ao serem questionados se gostariam de sair das ruas, a resposta foi somente uma:  

— Está bom aqui— ratificam.

 

 

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