Reportagem especial: “A natureza é sábia: meu corpo sabe parir e meu filho sabe nascer”

 

Marília Mesquita

 Existe um parto que atende ao tempo da mãe e respeita a hora do bebê. Ele faz valer os direitos da mulher e incentiva a participação paterna. Ele espera as contrações, a dilatação apropriada do colo do útero e a bolsa d’água se romper. Ele é prazeroso, seguro, saudável e natural. Mas muito mais que parto normal (ou vaginal), ele é, principalmente, um parto humanizado.

Karoline Costa, 36 anos, está grávida há oito meses e se prepara para um parto assim. Que apague todo desconforto que vivenciou durante o nascimento do primeiro filho, em 2013.

– Tive um parto normal hospitalar, com intervenções e violência obstétrica para acelerar o nascimento do meu filho. Na época, eu confiei no médico que me assistia e, apesar de ter tido uma gravidez tranquila, com todos os exames normais, tive uma hemorragia pós-parto, que não foi uma experiência legal – revela Karoline.

Essa foi a motivação para que ela buscasse informações.

 Gestação

 O mesmo estudo que Karoline iniciou há cinco anos, sobre gestação, parto e fisiologia feminina, Rebeca Charchar, de 36 anos, começou em 2001. Ela gostou tanto do universo que conheceu que, há 12 anos, dedica-se a informar, orientar e acolhe famílias por meio da profissão que exerce como doula.

– Após o nascimento, via cesárea e sem doula, do meu primeiro filho, e do parto natural e com o apoio de doula da segunda filha, despertou em mim a vontade de proporcionar a outras mulheres a experiência que tive – relata Rebeca.

O caminho das duas se cruzou há três anos, quando Karoline começou a frequentar um espaço para gestantes chamado Ishtar, que funciona em Divinópolis desde 2012.

– Meu filho devia ter 6 meses quando conheci o Ishtar. O grupo faz reuniões mensais, no qual acontece troca de experiências, além de ser um ambiente para informação e apoio ao parto da forma mais natural e fisiológica possível – esclarece Karoline.

 Por meio do grupo, com as informações que buscou com estudos sobre o tema e com o apoio da família, Karoline é uma das 350 que tiveram toda a gestação acompanhada pelo profissionalismo de Rebeca e que terão o trabalho de parto também aos cuidados dela.

– A doula faz um trabalho totalmente diferente do médico: ela dá apoio emocional e traz informações para que as escolhas tomadas por mim sejam mais conscientes. Durante o trabalho de parto, ela também estará ao meu lado e do meu marido, nos encorajando e utilizando métodos naturais para o alívio das dores – conta Karoline.

O que não exclui e não tira a responsabilidade dela de buscar o parecer clínico de uma médica e de uma enfermeira obstétrica, para assistir o desenvolvimento do bebê e as mudanças do corpo dela.

– Dentro das possibilidades hospitalares, conto com o apoio da minha ginecologista obstetra e da enfermeira que acompanha meu pré-natal – completa.

Karoline sabe que o parto que ela quer é o mais seguro para a saúde dela e do bebê. Mas, apesar de todo o preparo, ela não pode contar com uma previsão para o trabalho de parto. Por isso, todas as possibilidades estão sendo consideradas.

– Não necessariamente terei o bebê em casa. Quero, apenas, que meu filho nasça de forma respeitosa e que não tenha profissionais adiantando o processo para que ele venha mais rápido ao mundo. A natureza é sábia: meu corpo sabe parir e meu filho sabe nascer. Por isso, procurei uma assistência humanizada e me informo sobre os procedimentos que são desnecessários e feitos de forma rotineira pelas instituições hospitalares da cidade – declara.

Assim, ela e o marido consideram a estrutura hospitalar para o parto humanizado que pretendem.

– Penso em ter nosso bebê no hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte. Esse hospital é referência em parto humanizado – confidencia.

 Respeito 

Segundo a professora de enfermagem da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Virgínia Junqueira, parto humanizado não é moda. A prática também é científica.  

– Há um equívoco de relacionar humanizado com modismo ou parto alternativo. Humanização é respeito à autonomia da mulher e a realização de um parto conduzido pelas boas práticas e baseado em evidências científicas – explica.

 Ao falar de parto humanizado, fica evidente o combate de Karoline e Rebeca à violência obstétrica. Expressão que é tratada em uma lei municipal publicada no Diário Oficial dos Municípios Mineiros na segunda-feira da semana passada, 8.

O empoderamento que Karoline buscou e ainda busca como mãe, ao efetivamente tomar decisões sobre a gestação que está tendo e o parto que terá, e aquele que Rebeca transmite às mulheres que recorrem ao trabalho dela, também dizem sobre o combate à violência obstetrícia.

De acordo com a Lei nº 3.841/2017, “considera-se violência obstétrica todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período de puerpério”.

Um exemplo colocado por Virgínia é que muitas das cirurgias cesarianas são desnecessárias. E isso pode ser visto como um abuso, já que pode causar riscos à saúde da mulher e do bebê. 

– A ciência considera apenas duas indicações absolutas de cesárea: anomalias e sofrimento fetal – conta.

Ela desenvolve um estudo científico que mostra que, muitas vezes, a mulher conhece apenas o modelo desumano praticado no parto vaginal, com uma série de intervenções abusivas e, assim, é influenciada a se submeter à cesárea para evitar o sofrimento de um parto que é natural, mas que, geralmente, é descrito como anormal.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a taxa de cesarianas recomendada deve ser entre 10% e 15% entre os partos realizados. Porém, dos 2.768 nascimentos registrados no Hospital São João de Deus, em Divinópolis, 51% foram feitos através da cirurgia. Porém, o hospital não distingue os dados daqueles em que a intervenção foi realmente necessária.

 Expectativa 

A publicação da nova lei prevê a presença de doulas nas maternidades da cidade, seja no serviço público de saúde, ou no privado. Pelo texto, “Doulas são profissionais escolhidos livremente pelas gestantes e parturientes, que ‘visem prestar suporte contínuo à gestante’, com certificação ocupacional em curso para essa finalidade”. Assim, elas passam a possuir livre acesso a sala de parto. Inclusive, com a garantia de utilizar os instrumentos de trabalho.

Para Rebeca, a lei mostra como o momento é importante para se discutir parto humanizado.

– Doulas devem integrar a equipe de assistência. O que buscamos é atender às necessidades físicas e emocionais das gestantes para que os resultados com parto espontâneos, amamentação e experiência com os próximos filhos sejam melhores – pontua.

Uma doula estuda para realizar educação perinatal, para orientar e dar recomendações. Mas o trabalho dela não anula ou substitui o trabalho de um médico ou de um enfermeiro. Apenas o médico pode pedir exames e manusear equipamentos para monitorar batimentos cardíacos fetal, por exemplo. Assim, o trabalho homônimo de toda a equipe faz com que os cuidados se completem, já que as potencialidades de cada membro podem ser utilizadas plenamente, de acordo com suas capacidades técnica e legal, em benefício da mulher e da criança.

É justamente isso que o Ministério da Saúde trabalha nos cadernos “HumanizaSUS”, com a Política Nacional de Humanização, criada em 2003.

Virgínia considera muito positiva a presença de doulas no trabalho de parto. Segundo ela, em alguns países, como a Colômbia, elas são chamadas de investigadoras.

– A mulher deve ser protagonista na cena do parto e o trabalho multidisciplinar, com equipe médica e doula, coloca a gestante no centro. A presença das doulas, inclusive, chega a inibir a violência obstétrica – diz.

A professora conta ainda que o Hospital Regional de Divinópolis, que está com as obras paralisadas, mas que deve atender toda a região Centro-Oeste de Minas Gerais, possui um projeto inovador para a maternidade.

– As maternidades do município ainda não têm a cultura da humanização do atendimento. Mas o Hospital Regional, por exemplo, terá uma estratégia inovadora com uma banheira para cada dois leitos do pré-parto. Assim, a humanização de partos também está em construção na cidade – finaliza.

 

 

 

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