Reportagem especial: a batalha de quem enfrenta a depressão

Marília Mesquita

A Camila Rodrigues me explicou que ela tem um cachorro de estimação chamado Depressão. Nem todo mundo entende, mas ele apareceu há 22 anos e, desde então, provoca episódios inconstantes na vida dela. Mas o importante é que mesmo na companhia deste grande cão de estimação, ela sabe que, aos 47 anos, é uma mulher batalhadora com muito para oferecer.

— Com todas as dificuldades sinto que, em algum momento, eu vencerei isso —acredita.

Viver com a doença

Camila tinha uma vida corrida, mas ela explica que não dá para ser objetiva quando se trata da doença que vem acompanhando-a ao longo dos anos.

— Em 2008 eu estava muito insatisfeita com o trabalho, principalmente com as pessoas que reclamavam demais e faziam pouco. Então abandonei minha carreira e resolvi procurar ajuda após minha mãe dizer que não era normal uma pessoa jogar para o alto 20 anos de investimento — explica.

Há nove anos, quando o quadro depressivo estava realmente claro, ela deu início ao tratamento da doença. Assim, a mudança de hábitos veio junto com o uso de medicamentos.

— Chegou um momento que parecia que tudo jogava contra, então perdi a vontade. Busquei tratamento médico e, hoje, ainda faço acompanhamento psicoterápico e uso uma quantidade razoável de medicamentos. Mas, apesar de não ser simples, além do trabalho com profissionais, busco fazer coisas que me dão prazer— ressalta.

Conversar, estudar e estar entre amigos são situações que provocam bem-estar em Camila. Mas, ela ilustra que a depressão é como um animal de estimação, que sempre a acompanha e, por vezes, suga toda a energia que ela tem.     

— Às vezes eu sinto vontade de fazer coisas, mas parece que tem uma força que me segura. Assim, algumas situações que parecem muito simples para quem não está acometido com a doença, para mim é um grande esforço. Tem dia que levantar da cama não é simples — diz.

A preocupação dela em explicar que não é preguiça, estresse ou qualquer outra situação além de uma indisposição muito grande, é a mesma do psiquiatra Giuliano Queiroz.

— Depressão não é tristeza nem bobagem, é uma doença que, em 2017, já é a segunda maior causa de atestados médicos por incapacidade de trabalhar no INSS —revela o profissional.

Camila tem aprendido a lidar com a depressão. Porém, ela explica que a oscilação ainda a prejudica.

— Eu sei que minha condição acaba me fazendo deixar passar muitas oportunidades e a realizar coisas que propomos a fazer. E isso me prejudica na manutenção de emprego e na harmonia familiar, por exemplo. Porque existem momentos que há muita produtividade e outros que não há como oferecer nada —fala.

Porém, prestes a terminar uma segunda graduação e mesmo com planos que ela não sabe se vai ou não conseguir concretizar, é bastante otimista.

 — O que eu faço é tentar não desistir. Se eu não consigo, tento outra vez, e de novo, em uma dessas tentativas acabo chegando lá — conclui. 

Entender a doença

Depressão não é uma doença física como a maioria, mas também é uma enfermidade ligada a fatores genéticos tanto como a hipertensão e a diabetes, por exemplo. E, é por isso, que o tratamento exige a mudança de hábitos e o uso de medicamentos.

— A predisposição é um fator orgânico, mas os fatores externos como violência, competitividade, preocupações do cotidiano, individualismo e o uso excessivo de álcool e drogas tem agravado os índices de pessoas acometidas com a doença —revela o psiquiatra.   

Porém, o grande problema é que classificada como uma doença mental, Giuliano Queiroz conta que a depressão não é tratada, pela saúde pública e pela sociedade, com a mesma importância que as outras doenças crônicas (que se desenvolvem ao longo do tempo e que não possui solução rápida).

— Pelo fato das pessoas não tratarem a doença com o devido respeito e subestimar os sintomas, o tratamento, muitas vezes, não acontece de forma adequada e a compreensão a cerca dela é distorcida. Depressão não é frescura e também não tem nada a ver com loucura — destaca.

O cérebro produz três substâncias hormonais que estão ligadas ao prazer, ao bem estar e a sensação de felicidade. Assim, quando os níveis da serotonina, noradrenalina e/ou dopamina diminuem, comportamentos como tristeza, falta de interesse, perda de peso, insônia, fadiga, dificuldade de raciocínio e pensamento em morte podem se tornar frequentes.

— Medicamentos psiquiátricos, possuem o uso controlado, mas diferente do que dizem, não viciam. Eles atuam, apenas, para que o cérebro entenda que a produção de um ou mais desses hormônios está baixa e o estimula a produzir mais — pontua.

No entanto, não existe um exame acessível que possa indicar os níveis dessas substâncias no organismo, o que dificulta o diagnóstico e faz com que o paciente procure tratamento apenas quando o problema está crítico. Desta forma, o médico precisa fazer tentativas, até que a dosagem e o remédio ideal sejam encontrados.

— De acordo com os sintomas, o psiquiatra pode receitar até três fórmulas diferentes de remédios, um para cada deficiência. Porém, isso não deve ser feito simultaneamente, já que podem gerar uma série de efeitos colaterais desnecessários, visto que o paciente pode possuir alteração em apenas um dos hormônios — coloca.

Assim, este tratamento é longo e o resultado demorado. Haja vista que para o medicamento ter efeito no organismo são necessários, ao menos, 30 dias, a partir do início da ingestão do medicamento.   

A medicina já possui uma forma de calcular a produção da serotonina, noradrenalina e dopamina. Porém, um bloco cirúrgico dele ser mobilizado para que, através de punção a medula óssea seja coletada. O que hoje, acontece, apenas para em pesquisas, geralmente, em meios universitários. Assim, segundo o psquiatra, uma fórmula simples ainda é estudada, já que, com esres resultados é possível fazer um tratamento mais eficiente e, inclusive, prevenir a depressão.

Utilidade Pública

Postos de Saúde não oferecem serviços de psiquiatria. Para isso há o Serviço de Referência em Saúde Mental (Sersam), que funciona em Divinópolis há 20 anos.

Para o médico, a centralização dos problemas da saúde mental não colabora para que a população adeque a depressão à lista de doenças socialmente aceitas.

— É preciso acabar com essa mistificação de que psiquiatra trata só “doido”, ele trata umas série de outras questões que não tem nada a ver com esquizofrenia. E pelo fato de depressão não tem nada de loucura, ela poderia ser tratada de forma adequada em um posto, próximo da residência do paciente — pontua.

Números

Em 2016, 75,3 mil trabalhadores foram afastados em todo o Brasil com direito ao auxílio-doença em casos episódicos ou recorrentes. Eles representaram 37,8% de todas as licenças no ano passado.

A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que, até 2020, a depressão será a doença mais incapacitante do mundo. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) estima que entre 20% e 25% da população tiveram, têm ou terão um quadro de depressão em algum momento da vida.

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