Reality de cinema

Maria Tereza Oliveira

Metade do Brasil comemora e a outra metade reclama dele, mas fato é que o Big Brother Brasil voltou há três semanas e é um dos assuntos mais comentados do país. Depois do sucesso inesperado e gigantesco da edição passada, o BBB 21 já tinha de lidar com a responsabilidade de fazer jus ao seu antecessor, ao passo de também trazer novidades. Novamente, a Globo aposta em um elenco que mescla anônimos e famosos e não economizou nisso.

"Tá, mas essa coluna é de cinema. Por que falar sobre BBB?” Bom, porque foi graças a ele que eu resolvi falar sobre filmes com reality shows. É natural que a 7ª arte se inspire nesses programas, afinal, deles saem tramas, discórdias, além da pressão por saber que todas as suas ações são filmadas. Algumas obras audiovisuais beberam dessa fonte e é sobre elas que hoje vou falar.

"Que a sorte esteja sempre em seu favor"

Uma das séries de livros e filmes com maior êxito de crítica e público dos últimos tempos é "Jogos Vorazes". A franquia conta a história de um futuro distópico em que os Estados Unidos se transforma em Panem, que inicialmente era formada por 13 distritos, além da Capital. Uma das principais problemáticas daquele universo é que, enquanto os moradores da Capital vivem confortavelmente e esbanjando recursos, quem vive nos distritos, além de prover e sustentar o conforto para quem está na Capital, ainda precisa sobreviver em meio à fome e falta de recursos. Cansados de serem oprimidos, um dia os distritos começam uma rebelião, mas o tiro sai pela culatra. Eles são derrotados pela Capital, que destrói o Distrito 13 o líder da reunião e cria os Jogos Vorazes. O evento colhe uma menina e um menino com idades entre 12 e 18 anos de cada distrito e os coloca em uma arena cheia de perigos, além de serem obrigados a se matar. O jogo só acaba quando sobra apenas uma pessoa viva na arena. Todo jogo é filmado e transmitido durante 100% do tempo. Tanto o distrito quanto a Capital se engajam durante os jogos e dão altas audiências para os jogos.

É como se todas as pessoas daquele país assinassem o pay-per-view, mas com a troca das discussões por causa de combinação de votos do BBB por crianças se matando e sendo torturadas. Os dois primeiros filmes "Jogos Vorazes" (2012) e "Jogos Vorazes Em Chamas" (2013) apresentam duas edições dos jogos. Além de mostrar o ponto de vista de quem participa daquele reality desde o momento do sorteio, passando pela preparação, apresentação ao público, o tempo dentro da arena e o pós-arena dos sobreviventes , os filmes mostram como o massacre é abordado pela mídia, como é a comoção popular, as torcidas inclusive mostrando como alguns torcem pela morte de crianças em prol do entretenimento e a desumanização das pessoas dos distritos. Não é preciso dizer o quão romantizado é o reality naquela sociedade tanto por quem encara como entretenimento quanto por quem sonha ganhar os jogos e para coroar ainda com o slogan: "Que os Jogos Vorazes comecem e que a sorte esteja sempre em seu favor".

"Caso a gente não se veja: bom dia, boa tarde e boa noite!"

Talvez o maior exemplo de filmes sobre reality shows seja "O Show de Truman" (1998). A película conta a história de Truman Burbank. Ele aparentemente leva uma vida comum: casado, com bom emprego, vizinhos normais... Porém, repentinamente, acontecem situações estranhas que deixam Truman paranoico. Ele então começa a investigar, ao passo que o público percebe que o rapaz está vivendo uma mentira. Pais, amigos, namoradas, esposa, colegas, vizinhos e absolutamente todos os que fazem parte da vida de Truman são atores. O rapaz, desde seu nascimento, está sendo filmado e continuou assim. O programa, mesmo com décadas de exibição ininterrupta, continua um sucesso e as pessoas seguem obcecadas pelo show de Truman.

Menção honrosa - ou nem tanto

O Brasil também tem uma obra com reality que chamou muita atenção, não pela qualidade, mas pela incrível coincidência do lançamento. A série da Netflix "Reality Z" (2020) mistura confinamento em reality, Sabrina Sato e um Apocalipse Zumbi. Pela qualidade, a série é totalmente dispensável, mas ela vale a menção honrosa porque a publicidade da obra começou no timing perfeito. Isso porque, enquanto o coronavírus chegava ao Brasil, a popularidade do Big Brother Brasil alcançava um novo nível e a preocupação de muitos era se o BBB seria interrompido por causa da pandemia, ou se os participantes seriam surpreendidos apenas quando saíssem da casa. Bom, na vida real, os brothers foram informados por Tiago Leifert, apresentador da atração. No entanto, o mesmo não acontece na série. Apesar da zumbificação mundial, o reality não é interrompido, tampouco são informados da situação. Ou seja, eles só descobrem o apocalipse quando saem do confinamento.

Big Brother e 1984

Mas o que o BBB tem a ver com cinema? Bom, a princípio muito pouco. A ideia do reality veio do livro de George Orwell chamado 1984. O livro conta a história de um futuro na época de seu lançamento distópico em que a antiga Grã-Bretanha está em uma guerra perpétua e seus moradores vivem sob vigilância governamental onipresente e manipulação pública e histórica. O próprio nome "Big Brother" Grande Irmão veio da obra. O livro foi adaptado para as telonas em 1984. Então dá para considerar que o reality tem um pezinho ali... Bom, pra quem é de BBB: bom reality, pra quem não gosta: calma, são só 100 dias.

Maria Tereza Oliveira é jornalista e apaixonada por cinema

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