Quase tudo igual

Augusto Fidelis

No livro “Histórias da Gente Brasileira”, conta-nos Mary Del Priore que, em setembro de 1918, um navio inglês, o Demerara, vindo do Senegal, parou em Recife e Salvador. Marinheiros doentes desembarcaram. As autoridades não deram importância até começar a morrer gente: era a gripe espanhola que chegava ao país.

Caroline Nabuco, citada por Priore, informa que essa gripe, surgida na Espanha, deu volta ao mundo e, em pouco tempo, fez mais vítimas do que os cinco anos de confrontos da 1ª Guerra Mundial, encerrada em 1917. Naquela ocasião, o Rio de Janeiro foi um dos lugares do planeta com mais vítimas. Houve ocasião em que se registrava mais de mil mortos num só dia. Os cadáveres eram colocados na calçada à porta da casa à espera de algum transporte que pudesse dar destino ao corpo. Mas faltavam condutores de bonde, quem fabricasse caixões, quem pudesse abrir as covas.

Para Carolina, o espantoso já não era a quantidade de mortos, mas o fato de que toda a população estava doente em casa, sem a possibilidade de prestar auxílio uns aos outros, como tratar, transportar comida, vender ou comprar gêneros, até mesmo aviar uma receita.

Na página 494, Mary Del Priore lembra Nelson Rodrigues. Para este, a gripe espanhola era a “morte sem velório”. Morria-se em massa. E foi de repente. De um dia para o outro todo mundo começou a morrer. Os primeiros ainda foram chorados e floridos. Mas quando a população entendeu que era a peste, tudo mudou. A morte estava no ar, difusa, volatizada, atmosférica; todos a respiravam.

A historiadora Adriana Goulart, no mesmo contexto, lembra que a mortandade serviu para explodir a raiva acumulada durante anos com o desmazelo que o governo tinha com a saúde da população. Ante o caos, as autoridades preferiram censurar a imprensa: “Nada de más notícias”. Mas a ira da população se abateu sobre o palácio. Só assim, juntamente com a iniciativa privada, o presidente Venceslau Brás resolveu agir. Em pouco tempo foram disponibilizados 9.336 leitos em hospitais permanentes, além de 31 hospitais provisórios e 44 postos de socorro, com consultas gratuitas, remédios e alimentos. Em outro de 1918, período reconhecido como pandêmico, estima-se que 65% da população tenha adoecido. 

Naquela época, em Salvador, havia um samba de roda, com a seguinte letra: “Na ladeira do Campo Santo, um defunto se alevantou./Perguntou ao motorneiro: se é direto eu não vou”. E o coro cantava: “Se é direto, se o bonde é direto./Se é direto eu não vou!”. Estamos em 2020. Outros tempos, outra população, outras autoridades. A pandemia de agora, também uma gripe, a covid-19. No entanto, parece que ainda estamos em 1918, porque os dramas são os mesmos. Uma lástima!

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