Print Júnior acertou o alvo

O presidente da Câmara apresentou aquele que é, seguramente, um dos melhores projetos estruturantes da ainda jovem legislatura 2021/2024, capaz de dar um estímulo para consolidar tanto a representatividade das eleições quanto a democracia no município

Marcio Almeida Jr.

Partiu do presidente da Câmara Municipal, Eduardo Print Júnior, um dos melhores projetos estruturantes que a ainda jovem Legislatura 2021/2024 apresentou até agora à sociedade divinopolitana. Trata-se de ampliar o número de eleitores aptos a votar a fim de que o município possa ter um segundo turno nas eleições para prefeito que ocorrerão em 2024. Apresentada no perfil institucional do Legislativo no Instagram, por meio de entrevista concedida pelo vereador, a proposta chega no momento em que, em todos os níveis de poder no Brasil e no mundo, discute-se a necessidade de ampliar e aprofundar a democracia, vítima cada vez mais frequente de ímpetos autoritários. Segundo Print Júnior, a missão, cujo objetivo é aumentar a representatividade dos prefeitos eleitos na cidade, foi dada à equipe da Escola do Legislativo da Câmara Municipal, que deverá trabalhar ao longo da atual legislatura para cumpri-la. O trabalho, do qual não se divulgou ainda o plano de ações, é tão desafiador quanto vantajoso.

O desafio não é pequeno. No Brasil, segundo a Constituição de 1988 (em seu artigo 29, inciso II), o segundo turno é realizado quando nenhum dos candidatos a prefeito atingiu no primeiro a maioria absoluta da preferência do eleitorado, equivalente a mais da metade dos votos válidos computados na eleição, excluídos os votos em branco e os nulos. Nessa circunstância, vão ao segundo turno os dois candidatos mais votados no primeiro. Ocorre, entretanto, que a norma constitucional tornou o segundo turno exclusivo para os municípios com mais de 200 mil eleitores. Divinópolis, segundo a Justiça Eleitoral, tinha 164.433 eleitores aptos a votar no pleito municipal de 2020, número que em virtude do crescimento natural da população pode ser estimado hoje em aproximadamente 168 mil. Para que se atinja o eleitorado mínimo que a Constituição exige para a realização de segundo turno, faltam, pois, cerca de 32 mil eleitores ao município. 

A vez das escolas

De onde tirar tais eleitores? Print Júnior tem uma ideia a respeito, mencionada em sua entrevista ao perfil da Câmara no Instagram. Esses eleitores poderão vir, segundo o presidente, das escolas divinopolitanas de educação básica. A ideia, que não é romântica, tem base matemática. A juventude situada na faixa de voto não obrigatório (16 e 17 anos) compõe um contingente numericamente significativo mas ainda pouco presente nas eleições municipais. Assim, por exemplo, um cruzamento de dados educacionais do IBGE com dados eleitorais do TSE mostra que em 2016, ano da penúltima eleição para prefeito, Divinópolis tinha 231 eleitores com 16 anos e 770 com 17 anos, perfazendo 1.001 eleitores na faixa etária de voto não obrigatório. Na ocasião, entretanto, o município contava com 8.269 alunos matriculados no ensino médio, dois terços dos quais (mais de 5,5 mil alunos) se encontravam no segundo ano (idade média de 16 anos) ou no terceiro (idade média de 17 anos). Tais jovens, embora não o tenham feito, tinham idade suficiente para requerer o título eleitoral. Deduzidos os 1.001 que efetivamente haviam se alistado, conclui-se que pelo menos mais 4,5 mil jovens poderiam ter votado à época, se o desejassem. Já em 2020, presumindo-se a mesma quantidade de estudantes matriculados no ensino médio (os números, ainda não disponíveis na página virtual do IBGE, podem ser maiores) e considerando que dois terços têm idade para votar, a Justiça Eleitoral contabilizou apenas 58 eleitores com 16 anos e 198 com 17 anos. Ou seja: mais 5,2 mil jovens poderiam ter votado no ano passado. 

Esses dados só consideram os dois anos finais do ensino médio. Como lembrou Print Júnior em sua entrevista, tendo como meta as eleições de 2024, também devem ser considerados os alunos hoje com 14 anos (idade média do primeiro ano) e com 13 anos (idade média do 9º ano do ensino fundamental), que terão na próxima eleição 17 e 16 anos, respectivamente. Considerando, além desse trabalho, o crescimento da cidade, que é polo do Oeste Mineiro e atrai pessoas que nela se fixam em definitivo por razões profissionais, é o caso de pensar que, se não for viável na próxima disputa do cargo de prefeito, o segundo turno é bastante provável nas eleições de 2028. Não se deve esquecer, a propósito, o fato de que o trabalho de ampliação do eleitorado pode incidir também sobre a faixa de eleitores já maiores que, tendo adotado Divinópolis como lar há vários anos, não transferiram até agora seus títulos eleitorais das cidades de onde vieram. Vínculos familiares e uma mentalidade tradicionalista podem impedir, presumivelmente, que alguns desses eleitores efetivem a transferência de seu domicílio eleitoral, o que não impede que seja feito um esforço para tentar sensibilizá-los a votar de modo mais racional e pragmático, isto é, no local em que moram e usufruem de serviços e políticas públicas. 

Vantagens

Duas são as vantagens da proposta de Print Júnior. A primeira, obviamente, consiste no plano político. Com o segundo turno, como lembram vários cientistas políticos, é possível ampliar a representatividade dos prefeitos eleitos. Isso não é pouco. Na eleição de 2020, por exemplo, o prefeito Gleidson Azevedo (PSC) elegeu-se com 34,30% dos votos válidos. O fato de ter sido eleito com pouco mais de um terço da votação válida não pode ser explicado apenas pelo número ‒ sem dúvida excessivo ‒ de 9 candidatos ao cargo de chefe do Executivo. Afinal, em 2012, com quatro candidatos a menos, Vladimir Azevedo (PSDB) também se elegeu com percentual de votos próximo de um terço (36,26%). Situações como a de Galileu Machado (MDB), que em 2016 foi eleito com 53,84% dos votos, nem sempre se verificam. Contudo, ainda que ocorram, não significam que a representatividade não possa vir a ser ampliada por um segundo turno de votação, quando este for possível. 

A proposta de Print Júnior tem, contudo, um segundo benefício que vai além do possível aumento da quantidade de eleitores do município. Se for realizado em relação aos estudantes um bom trabalho de alfabetização política, o que o presidente da Câmara vai conseguir, afinal, é o reforço da democracia e da cidadania em Divinópolis, o que por si só é muito relevante, independentemente de se conseguir ou não atingir o eleitorado necessário à realização do segundo turno. De um lado, esse trabalho pode contribuir tanto para formar eleitores mais críticos quanto para despertar futuras lideranças políticas. De outro, pode ajudar a combater a crise de representatividade que há anos vem sendo diagnosticada na vida pública brasileira e o consequente desinteresse pela política. Não custa lembrar, a propósito, as eleições para prefeito do ano passado, nas quais 31,63% do eleitorado não escolheram candidato, o que significa nada menos do que 52.012 eleitores. Deste total, 22,95% não compareceram às urnas. O elevado percentual de abstenção ‒ maior que o de 2016 (14,22%) e o de 2012 (14,69%) ‒ tanto se explica pela pandemia de covid-19, que à época da votação assustava mais do que agora, quanto pela já histórica desilusão do eleitorado brasileiro. Tal desilusão, hoje perceptível em relação a todos os cargos políticos em disputa e a todas as regiões do país, também explica os percentuais somados de votos brancos e nulos registrados nas eleições municipais da década passada: 11,27% (em 2020), 20,38% (em 2016) e 10,98% (em 2012), perfazendo média de 14,21%, o que não é pouco. 

É conveniente lembrar que Divinópolis, como não poderia deixar de ser, reflete uma situação nacional em relação à descrença dos eleitores. Assim, a soma de abstenções e de votos em branco ou nulos atingiu, em todo o país, 30,6% do eleitorado no ano passado, maior índice contabilizado desde 1996 e muito alto mesmo para um momento de pandemia. É contra essa situação de desgosto político matematicamente palpável que se volta a proposta do presidente da Câmara. Em um país no qual o voto é declarado obrigatório sem que haja sanções efetivamente desencorajadoras para os eleitores ausentes das urnas, em um tempo no qual a democracia vai sendo corroída pela perda da confiança da sociedade, abrindo-se caminho a ataques grosseiros e crises institucionais, tentar despertar na juventude divinopolitana o sentido nobre da vida pública e o interesse pelas questões políticas, das quais depende a vida cotidiana, é atitude visionária digna de ser aplaudida de pé.



Márcio Almeida, professor e jornalista, dedica-se há mais de 20 anos à análise da vida pública em veículos de mídia, textos e cursos de formação. Está articulando atualmente, junto com uma equipe multidisciplinar de profissionais, o Catavento, um “think tank” (laboratório de ideias) apartidário destinado a analisar e contribuir com soluções para boas políticas públicas municipais de desenvolvimento econômico, educação, cultura, saúde e outras áreas.  



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