Presidente da OAB e promotor debatem sobre eleições e fake news

Seminário é uma iniciativa da Escola do Legislativa da Câmara e meta é reforçar as regras eleitorais

Matheus Augusto

A Câmara e o Senado já aprovaram as mudanças, em razão da pandemia causada pelo coronavírus, para as eleições municipais deste ano. Para discutir as alterações e as regras, a Câmara, por meio da Escola do Legislativo, promoveu ontem o seminário “Eleições Limpas”. O evento, transmitido virtualmente, contou com a participação do presidente da 48ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Manoel Brandão Teixeira Júnior, e o promotor eleitoral da Comarca de Divinópolis, Mário José de Oliveira.

Com o seminário, a Câmara espera incentivar uma disputa eleitoral “sadia”.

Pode ou não?

Primeiro a falar, o promotor destacou a importância de levar a informação aos pré-candidatos. Sobre as regras, Mário José disse que a legislação se aprimora a cada ano, com o objetivo de se adaptar à realidade.

Ao mudar o primeiro e o segundo turno das eleições para 15 e 29 de novembro, respectivamente, outros prazos também foram alterados. As propagandas eleitorais, por  exemplo, só podem ser realizadas a partir do dia 27 de setembro.

— Propaganda eleitoral é toda ação destinada a obter o voto do eleitor — classificou.

O promotor ainda falou sobre a importância da divulgação pública dos concorrentes políticos para conhecimento dos eleitores.

— A propaganda eleitoral é de extrema importância para a democracia, que ela seja permitida e incentivada. Sem ela, os eleitores ficariam sem ter como escolher o melhor candidato na sua visão — explicou.

Apesar da proibição antes da data estabelecida, há exceções.

— A propaganda antecipada era proibida, porém o legislador, ciente de que seria de certa forma difícil para que o eleitor já conhecesse os eleitos, permitiu algumas situações de pré-campanha — ressaltou Mário. 

Assim, os pré-candidatos podem manifestar suas pretensões políticas para o próximo pleito e exaltar suas qualidades, seu currículo, projetos apresentados em gestões passadas e discursar sobre suas plataformas.

— Desde que não envolvam pedido explícito de voto — alerta o promotor.

O conjunto de regras, explica o representante do MP na cidade, visa criar uma condição de igualdade entre os pré-candidatos.

— O legislador quer que haja uma igualdade de oportunidades entre todos os candidatos, porque se fosse um “libera geral”, se fosse possível a propaganda de qualquer jeito, aquele pré-candidato que tem maior poder econômico sairia na frente, aquele que já exerce um cargo público teria mais vantagens — destacou.

Além de falar sobre as permissões e proibições de publicidade na imprensa, em carro e o tempo de propaganda na televisão, Mário José de Oliveira abordou os direitos do cidadão em apoiar em que vai votar.

— A pessoa pode se manifestar sobre seu candidato, pedir voto para ele, desde que  não contrate uma empresa de disparo em massa. (...) Tem que ser gratuito — detalhou.

Ele ainda citou que o uso de carros de som pode ser feito apenas durante passeata ou carreatas e que é proibido a campanha negativa, destinada apenas a atacar um adversário.

Caso observe irregularidades, as denúncias podem ser feitas no Ministério Público, na rua São Paulo, ao lado da Câmara, no site do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) ou pelo Cartório Eleitoral. Para agilizar o processo de apuração, é importante levar provas.

Névoa

Para esclarecer sobre as notícias falsas, o convidado foi o presidente da 48ª Subseção da OAB na cidade, Manoel Brandão. Segundo ele, o conceito do termo não pode ser simplificado apenas à mentira, mas deve ser definido como “uma notícia sabidamente falsa produzida com intuito fraudulento”. Os debates sobre eventuais legislações sobre o tema devem, primeiramente, reconhecer a diferença entre liberdade de expressão e a manipulação de informações para se beneficiar eleitoralmente.

— Criticar não é fake news, é liberdade de expressão — explicou.

O presidente local destaca também que a divulgação de informações total ou parcialmente falsas não é um fenômeno recente nem restrito ao Brasil. Ao acompanhar o cenário internacional e estudos sobre o tema, Manoel Brandão cita que um dos usos do recurso é para “lançar uma descrença absolutamente nos órgão que regulamenta as eleições” e atacar outros candidatos.

A estratégia de difamar adversário políticos não é nova, conta Manoel, mas se potencializou com o uso em massa das redes sociais.

— Só que hoje essa mentira tomou uma patamar muito maior porque ela se espalha com muito mais rapidez — avaliou.

Por não se tratar de apenas uma mentira, com consequências somente no âmbito pessoal, mas por visar desestabilizar “e corromper o processo eleitoral através de notícias falsas”, cabe ao direito discutir a questão.

Ao destacar a existência de um mercado destinado a produção de fake news, com a finalidade de desqualificar as informações, o presidente citou exemplos de candidatos que passam a maior parte de sua campanha apenas se defendendo e desmentindo as acusações sem fundamento ou fora de contexto.

— Determinado grupo produz um conteúdo, lança na rede e o pessoal que recebeu, muitas vezes sem saber, divulga — exemplifica.

Receita

Ainda não há um modelo definido de combate a essa rede de desinformação, mas, pelos trabalhos acompanhados, o presidente da OAB vê duas correntes. A primeira visa erradicar as fake news em sua origem, impedindo que elas sejam divulgadas, as censurando e tirando do ar. A segunda age imediatamente ao perceber a presença de uma informação falsa, contra-atacando com o envio de fatos em massa, desmentido a mensagem inicial.

— É a entrega maciça de informações verdadeiras, (...) para sufocar a notícia falsa — explica.

WhatsApp

Uma das ferramentas que pode ser utilizada para o disparo de mensagens em massa, por meio de algoritmos e robôs, é o WhatsApp. Segundo Manoel Brandão, um dos agravantes é que o aplicativo é, para muitos, uma ferramenta de informação, e não comunicação.

— Hoje no Brasil tem acontecido no Brasil o fenômeno em que, para muitos, a única forma de acesso à informação é o WhatsApp — citou.

Como dica, ele sugere sempre ler a matéria ‒ e não apenas a manchete ‒, verificar a data de publicação da notícia e confiar em sites de credibilidade.

— Jamais compartilhe uma notícia em caso de dúvida — recomenda.

Leis

No Brasil, ainda há uma carência de regras para tratar especificamente do tema. Tramita na Câmara, porém, um projeto para estabelecer a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. A intenção é criar medidas de combate à disseminação de conteúdos falsos nas redes sociais e serviços de mensagens privadas.

— É preciso que tenhamos uma legislação, estamos caminhando para isso, que diminuam o combustível de quem divulgam daqueles que fazem disso um instrumento de meio de vida — afirma o presidente da OAB.

Para ele, é preciso punir as empresas responsáveis pela criação desse conteúdo, mas também investir em educação, para instruir os recebedores de como identificar uma notícia manipulada e desenvolver seu senso crítico.

— Você que recebe a fake news tem responsabilidade também, se ela parar em você o assunto morreu — justifica.

Apesar da inexistência de uma legislação própria, explica Manoel Brandão, os eleitores e pré-candidatos possuem garantias para proteger sua imagem, como o direito de resposta e indenizações por calúnia. 

— Nós não temos um tema específico que trate de forma direta as fake news, mas temos mecanismos que podem perfeitamente serem utilizados para penalizar quem divulga informação falsa na internet com a finalidade de desmoralizar ou fazer uma campanha difamatória. (...) Nós temos, no arcabouço jurídico brasileiro, uma legislação que consegue de forma limitada combater a propagação de fake news — argumentou.

Mais mudanças?

Questionado se os políticos poderão, durante o período de campanha, visitar os eleitores em suas casas, o promotor Mário José de Oliveira explicou que ainda não há restrições.

— Hoje não há proibição, mas, evidentemente, essa campanha com mais aglomeração, se a pandemia persistir, terá que ser analisada pelo TSE — explicou.

Santinhos

O promotor ainda falou sobre uma reclamação comum em ano de eleição: os “santinhos” nas ruas. Segundo ele, o candidato pode ser multado.

— Infelizmente isso é comum. Sempre há a fiscalização. Esse “santinhos” são arrecadados e são feitos boletins de ocorrências e os candidatos são processados criminalmente — destacou.

Conclusão

Antes de encerrar sua participação no seminário, o presidente da OAB citou a relevância de discutir o tema.

— Quando a gente começa a falar sobre fake news e eleições, a gente está falando sobre democracia, e democracia pressupõe amadurecimento. É assim que a gente cresce, evolui, e precisamos ter amadurecimento democrático. É por meio do debate, da conversa, que a gente amadurece democraticamente — afirmou.

E ainda reforçou a importância de colocar o tema em pauta para fortalecer o processo eleitoral.

— Agora ela [fake news] tomou dimensões que subvertem a ordem que a gente construiu. Nós imaginamos que efetivamente as redes sociais, a internet, iam nos aproximar, mas agora estamos observando os efeitos colaterais disso — concluiu. 

Como alternativa, ele também sugeriu uma união entre OAB, Câmara e Ministério Público na elaboração de uma cartilha a ser distribuída à população com dicas para identificar notícias falsas.

Por fim, o promotor disse esperar a colaboração da população durante o processo eleitoral.

— Contamos com o apoio da população para fiscalizar para que, no futuro, não tenhamos que ter tantas regras e os próprios candidatos ajam com total respeito às determinações legais — finalizou.

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