Política sem ódio

Laiz Soares

Política sem ódio

“É possível fazer política sem ódio”, disse Bruno Covas, prefeito de São Paulo, que faleceu tão jovem nesta semana. Bruno era um político corajoso, apaixonado pelo trabalho e bastante moderado. Trabalhou até o último minuto de vida. Chegou a morar na sede da Prefeitura na gestão da pandemia, levou sua cama para o gabinete. Mais do que dedicado, Bruno era equilibrado e um democrata nato. Neto de um grande político na história do país, Mário Covas, Bruno aprendeu em casa sobre respeito e valores democráticos e os colocou em prática.

Na disputada campanha para a Prefeitura da capital mais relevante da América Latina, ele não agrediu nem permitiu que atacassem seu oponente, Guilherme Boulos, a quem não via nem tratava como inimigo, e sim como adversário em uma disputa com regras democráticas. Bruno chegou a ligar pedindo desculpas ao Boulos quando militantes do seu partido atacaram o candidato. A disputa foi marcada por discordância nas ideias, e não no ódio, e foi considerada um marco civilizatório no atual cenário político brasileiro tão profundamente machucado pela extrema vontade de aniquilar o “outro lado”, considerado por muitos como inimigos mortais.

Ao ser chamado pelo canal CNN para avaliar a gestão do prefeito Bruno no dia de sua morte, Guilherme Boulos recusou o convite e disse que não era momento para tal, demonstrando um profundo respeito pela morte do seu antigo adversário. Dilma Rousseff, que viu Bruno votar a favor do seu impeachment em 2016, se solidarizou com sua partida e disse que Covas era uma grande liderança para o país. O mesmo comportamento civilizado e humano, infelizmente, não foi observado por muitos militantes e apoiadores de uma parte da extrema esquerda e da extrema direita. Teve gente comemorando a morte dele nas redes sociais. Teve gente criticando quem se mostrou solidário. Comportamentos doentios e maldosos de pessoas que estão completamente fora da sua humanidade, totalmente tomadas pelas trevas e pela escuridão maligna que o ódio gera em suas almas, corações e mentes. 

Isso mostra o quanto nosso país está doente. A doença da raiva e da intolerância está envenenando as pessoas, dividindo famílias, gerando grande sofrimento. No dia das mães, por uma fatalidade do destino que considerei muito simbólica, eu recebi um WhatsApp de um número que eu não conhecia, cujo DDD era 31.  Fui ler a mensagem achando que era para mim, pois tinha chegado no meu celular. A mensagem estava carregada de ódio e dizia algo assim: “você é uma VERGONHA para nossa família, até quando você vai ficar defendendo esse Bolsonaro? Saiba que seus netos tem vergonha de você”. Isso era uma mensagem para uma avó no Dia das Mães que, por acaso, veio parar no meu celular por engano. Eu respondi: “Acho que você mandou para pessoa errada, eu não tenho netos”. Ele respondeu: “Percebi”. Ele estava tão tomado de ódio que nem me pediu desculpas. Eu falei: “Se me permite um conselho, não faça isso com sua avó, releve, deixe pra lá e não permita que nada, muito menos a política, atrapalhe a relação de vocês”. 

Eu senti a dor que essa mulher sentiria recebendo essa mensagem e fiquei muito triste. Eu não sei se eu consegui impedi-lo de encaminhar a mensagem, espero que sim, mas eu sei que fico mal em saber que esse caso não é isolado. A que ponto chegamos? O ódio cega, o ódio mata, emburrece e empobrece o espírito. Logo mais à noite, neste mesmo dia, eu mal sabia que eu iria passar por um sofrimento enorme internando minha mãe com covid no hospital e vendo a vida dela em xeque. Quando nos deparamos com a morte, ou com a iminência dela, tudo que importa nessa vida é o amor. Que a morte do Bruno deixe aos jovens políticos deste país uma lição e um legado de moderação, diálogo e equilíbrio. Que seja o começo do fim de uma era de extremos, e a retomada da esperança que ele sempre teve na vida, na democracia e, principalmente, na política, que deve ser feita sem ódio, e sim com amor e paixão.  

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