Polícia suspeita de vizinhos em ataque que matou 3 em clínica de Divinópolis

Ricardo Welbert

Leonardo, de 32 anos. Juscelei, de 37. Ricardo, 54. Tão desconhecidos que a direção da clínica para recuperação de viciados onde eles foram queimados vivos durante a noite de quinta-feira, 26, não soube informar ao Agora os nomes completos deles. Os documentos que continham essas informações foram queimados junto com os donos deles.

Noite de quinta-feira. Em algum momento impreciso entre 20h e 21h30, um grupo invade a sede do projeto social “Resgatando os Cativos”. O local é um pequeno imóvel construído em um ponto de difícil acesso, ao fim da rua Soldado Geraldo Fernandes, no bairro Itacolomi.

Composto por dois quartos pequenos, um banheiro minúsculo e um cozinha que se mescla à área de serviços e com vista para um amplo quintal cercado por vegetação e preenchido com um pequeno campo de futebol sem grama, foi o cenário de uma tragédia.

Segundo a Polícia Militar, os oito invasores arrombaram o portão da frente e caminharam até dois quartos onde estavam as 12 pessoas atendidas pelo projeto social.

Segundo os relatos de testemunhas à polícia, o grupo chegou atirando para o alto. Desesperadas, algumas vítimas tentaram conter os agressores, enquanto outras buscavam a própria segurança.

Leonardo, Juscelei e Ricardo se esconderam debaixo de uma cama. Os criminosos jogaram combustível nos móveis e atearam fogo.

As vítimas viram as chamas se alastrarem rapidamente pela pequena casa. Os bandidos deixavam o local gritando e atirando para o alto.

Resgate

O Corpo de Bombeiros e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foram chamados. Chegaram ao local por volta das 22h e encontraram sobreviventes gritando desesperados. Eles sabiam que Leonardo, Juscelei e Ricardo estavam em meio às chamas.

Enquanto os bombeiros cuidavam do combate ao fogo e da busca por quem estava no imóvel, o Samu deu atenção às outras nove pessoas. As idades dessas vítimas variam de 27 a 55 anos. Até o fim da tarde, ainda não havia detalhes sobre o estado de saúde dos sobreviventes.

O Agora esteve ontem no local. Quase 12 horas após o combate ao fogo e a remoção de mortos de feridos, um forte cheiro ainda exalava do que sobrou da cama debaixo da qual Leonardo, Juscelei e Ricardo foram queimados vivos. Em meio aos escombros das paredes que caíram, um gato comia o que pareciam ser restos de alimentos que as vítimas consumiam quando foram atacadas.

Investigação

Peritos da Polícia Civil estiveram na cena do crime e também ouviram as testemunhas. De acordo com o delegado Marcelo Nunes Júnior, a principal hipótese é de que o ataque não tenha tido o objetivo de matar alguém específico, mas sim de assustar os integrantes da clínica.

— Trabalhamos com a hipótese de que os autores do crime tenham sido moradores da região. Havia muitas reclamações da vizinhança, de vários moradores e representantes do bairro, que afirmaram que desde que a clínica foi instituída no local começaram a ocorrer arrombamentos e furtos a residências no entorno. Essa é uma linha plausível — diz o delegado.

A hipótese apresentada pelo delegado foi reforçada por vizinhos ouvidos pelo Agora. Eles, que não quiseram ter nomes divulgados por temerem represálias, disseram que, desde que a clínica foi instalada no local, há quatro meses, cresceu “bastante” a quantidade de furtos e roubos na região.

— Ontem teve um roubo em um bar aqui no bairro e parece que já tinham avisado que não queriam que roubassem no bar de novo, porque aqui na vizinhança todo mundo é trabalhador. Gente que acorda cedo pra trabalhar. Disseram que, se tivesse outro roubo, iriam invadir a clínica. Aí roubaram na casa do senhor Adalto. Os caras revoltam, uai. Os caras piram, né? — disse uma das pessoas entrevistadas.

O projeto social funcionava no local há seis meses, sem autorização da Vigilância Sanitária.

‘Acho que só queriam assustar’, diz diretor

Atordoado, o pastor José Adriano Tolentino da Silva, responsável pelo projeto social “Resgatando os Cativos”, crê na hipótese de que os criminosos não tenham ido ao local com o objetivo de matar.

— Como chegaram atirando para cima e não atiraram em ninguém, penso que eles não queriam matar, mas apenas mandar algum recado. Acho que só não queriam a gente ali e resolveram nos assustar — diz.

Na sexta-feira, o pastor recebeu os parentes dos mortos. Ricardo era de Divinópolis e frequentava o local há quatro meses. Leonardo, há dois meses. Juscelei era atendido fazia 20 dias. Os dois últimos eram de Belo Horizonte.

— Eram ótimas pessoas, que só foram ruins com elas mesmas, quando se renderam aos vícios.

Questionado sobre o futuro do projeto social, que funcionava no imóvel há seis meses e sem autorização da Vigilância Sanitária, o pastor disse que ainda não sabe o que fará.

— Não tenho nem cabeça para pensar nisso. É uma covardia o que fizeram. Estou muito triste — desabafa.

 

 

 

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