Perda da utilidade

Augusto Fidelis

O mês de julho caminha a passos largos e a pandemia se mantém firme, cujo pico sempre muda para o mês seguinte. Segundo a Organização Mundial de Saúde, no Brasil, isso se dará em agosto, mas pode mudar para setembro, ou quem sabe mais adiante. Aliás, ninguém sabe nada de nada, mas, de chute em chute, conserva o pânico sobre os incautos, que tanto estrago tem feito junto à população mal-informada. 

Nesta vida, quando qualquer coisa estraga, sai de moda ou não desperta mais o interesse do proprietário, essa coisa perde a utilidade. E, sem utilidade, é encostada, colocada no depósito ou no lixo. Há caso em que não é possível nem reciclagem. Infelizmente, esse destino não é reservado apenas às coisas, mas também ao ser humano. 

Do mês de março para cá, pessoas com mais de 60 anos perderam a utilidade. A voz de comando do Grande Irmão é reproduzida pela mídia, principalmente a televisão, pelos familiares, pelos amigos e pelos enxeridos: “Fique em casa. Se você precisar de alguma coisa e não tiver quem o atenda, dane-se, mas fique em casa. Vai morrer de depressão, de solidão e de fome, dane-se, mas fique em casa, é para o seu bem”.

No mês de abril, em Coronel Fabriciano, um casal de desocupados criou o ônibus “Cata Véio”, que se locomovia pelas ruas com alto-falante intimidando as pessoas idosas. Em cidades de São Paulo, agentes de segurança espancaram idosos que caminhavam pelas ruas, prenderam com violência quem se aquecia em bancos de praça, e mais uma série de barbáries. Enquanto isso acontecia, o então ministro da Justiça, Sergio Moro, se fingia de morto.

Padre Fábio de Melo, numa de suas inúmeras palestras, tratou com maestria sobre o tema: “Perda da utilidade”.  Segundo ele, a velhice é o tempo em que a pessoa já não tem mais utilidade, já não pode fazer pelo semelhante o que o outro espera. Então, fica ao lado até o fim somente quem ama de verdade, pois entende que a utilidade se foi, mas ficou o significado como pessoa. 

O sacerdote diz rezar todos os dias e pede a Deus a ventura de envelhecer junto às pessoas que o amam, para que possam colocá-lo para se aquecer ao sol, mas, sobretudo, que tenham a generosidade de tirá-lo depois. Só ama de verdade aquele que não vê mais utilidade no outro, porém reconhece o seu valor.

A sabedoria bíblica recomenda com insistência: não faça ao outro aquilo que não gostaria que fosse feito a si, pois não se sabe o dia de amanhã. Em outras palavras: gentileza gera gentileza. Essa pandemia vai passar, ainda que tardia, no entanto, quem conseguir tirar alguma lição de tudo isso ficará mais humano, mesmo que tudo pareça caminhar para o lado contrário. Bem, quem viver, verá!

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