Pensando bem

Leila Rodrigues 

E depois de quatro semanas em isolamento, muita coisa mudou. Já não somos os mesmos. 

O corpo já se acostumou com a casa. Que era grande antes da pandemia, ficou pequena para tanta gente e, com a convivência, cada um foi se adequando ao seu espaço e hoje não se esbarram mais no corredor. 

Pensando bem, trabalhar de bermuda, não precisar maquiar nem escovar os cabelos e sair de um compromisso às 9h e entrar noutro às 9h10 é fantástico. 

Pensando bem, o irmão adolescente não é tão chato assim e pão na chapa funciona como um jantar. 

Pensando bem, se eu estou endividado, o outro também está. E nós dois juntos vamos chegar num acordo. 

Na quarta da quarta eu olho para o meu guarda-roupa e vejo que tem roupa demais. E decido que pode ser diferente daqui para frente. 

Eu posso viver com menos! Com menos coisas, com menos sapatos, com menos artefatos, com menos vaidade, com menos pressa, com menos certeza e com menos liberdade.

E, por incrível que pareça, eu também descobri que posso viver com mais!  Com mais família, com mais partilha, com mais solidariedade, com mais consciência e com mais humanidade. 

Está tudo aí. Sempre esteve. Mas foi preciso uma sacudida para nos fazer compreender. Foi preciso uma mudança brusca, não anunciada e coletiva, que nos colocasse todos no mesmo patamar, para enxergarmos uns aos outros com o mesmo tamanho. 

Depois de quatro semanas, a saudade já apertou. A distância nos transformou. Potencializou nossos sentimentos e estamos renovados para os que estão longe. A vontade de encontrar tomou conta de todos e a primeira coisa que pensamos quando se fala em futuro é no abraço que vamos dar. Está tudo guardado esperando a hora de acontecer. Imagino a energia maravilhosa que será. Eu imagino a força, a verdade, a troca genuína de sentimentos que teremos no momento de matar a saudade.

Depois de quatro semanas, a barba cresceu, os cabelos brancos apareceram, as unhas e os cabelos perderam suas camuflagens. E o mais incrível disso é que compreendemos que podemos ser nós mesmos, sem máscaras, sem artifícios.

Depois de quatro semanas, continuamos apreensivos, preocupados e inseguros. Porém certos de que tudo isso, está nos transformando em pessoas melhores.

 

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