Pedofilia não é crime, nem psicopatia! (II)

Domingos Sávio Calixto

CREPÚSCULO DA LEI – XXVIII

Quantas pessoas não andam por aí com vontade de matar alguém?

Essa vontade o direito penal chama de dolo. Carregar um dolo sem colocá-lo em prática não chega a ser um problema para o direito penal. É algo a ser discutido junto à psicologia. Crime é, antes de tudo, uma ação ou uma omissão exposta à realidade concreta para ser submetido a uma pena.

As pessoas que praticam crimes são punidas por algo que não poderiam ter feito (crime comissivo), ou algo que não fizeram quando eram obrigadas a fazê-lo (crime omissivo). Significa que o crime é um fazer que não pode ser confundido com o ser. As pessoas não são punidas pelo que são, mas por ações. Ninguém pode ser punido por uma condição, característica, sintoma ou transtorno.

Sob esse aspecto, doença mental não é crime. Ser doente mental não confere a ninguém o rótulo – labeling approach – de criminoso ou delinquente. Não é crime ser alcoólatra, ser espírita, judeu ou homossexual. A condição do ser está ligada a aspectos ontológicos que não são objetos do direito penal, mesmo porque o direito penal não possui elementos teóricos para estudá-los. O direito penal estuda a norma penal e as condutas que a violam, id est, as espécies (tipos) de ações que contrariam a lei penal sem justificativa.

É neste contexto que a pedofilia não é crime, mas, sim, um transtorno pertinente ao ser, e não necessariamente ao fazer. Ser portador do transtorno da pedofilia não significa que a pessoa tenha praticado crimes sexuais contra crianças. Aliás, há diversos casos de crimes sexuais praticados contra crianças sem que o autor tenha sido diagnosticado com o transtorno da pedofilia. Da mesma forma, existem diversas pessoas portadoras do transtorno pedófilo sem que jamais tivessem praticado qualquer crime sexual contra crianças.

A pedofilia é um transtorno caracterizado como desvio sexual – perversão – que leva o adulto a sentir-se atraído libidinosamente por crianças (idade pré-púberes), mas enquanto isto se mantém no estado subjetivo, oculto, não há que se falar em crime. Será crime quando o autor se transforma em um agressor sexual e parte para uma ação (um fazer) contrária à lei penal. São situações distintas.

Da mesma forma a psicopatia. Ser psicopata não é crime, mas designação de alguém portador de um desvio de comportamento com traços de personalidade dissimulada, egocêntrica, insensível e distante das emoções comuns, mas que sente grande prazer com o sofrimento alheio. Além disto, não é considerada doença mental, nem se considera nela a violência como elemento preponderante.

Ora, enquanto o portador da psicopatia tão somente conviver com ela, isto não é considerado crime. Existem por aí diversos psicopatas que (também) jamais praticaram crime. O crime ocorrerá quando (ou se) o psicopata, valendo-se de sua capacidade dissimuladora e apatia emocional, praticar alguma conduta contrária à norma penal. Assim, nem todo psicopata é criminoso e nem todo criminoso é psicopata.

Portanto, com as devidas cautelas em relação ao senso comum, não há que se confundir as atribuições da psicologia com aquelas específicas do direito penal, muito embora haja certo interesse alienante em se estabelecer tais confusões. Toda cautela em relação a alguns discursos políticos.

 

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Domingos Sávio Calixto é professor de criminologia e direito penal da Faculdade Pitágoras e doutor pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA).

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