Os ingratos

No último sábado, logo cedo, a Maninha ligou o rádio bem na hora em que o locutor anunciava a receita do dia: pudim de milho com calda de canela. Imediatamente, muniu-se de papel e caneta e anotou tudinho, pois entendeu que seria uma ótima iguaria para celebrara entrada do Ano Novo. Aliás, algo para ser servido durante o evento de posse do novo presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.

No dia 1º, na hora do almoço, o pudim já estava pronto. Além de bonito, ficou uma delícia. Maninha, no entanto, num momento de lucidez, pensou: “Preciso ter amor à vida, não posso comer tudo isso sozinha. Vou convidar a Dalila para me ser solidária”. Sem delonga, apossou-se do telefone e ligou:

- Dalila, fiz pudim de milho com calda de canela, para comemorar a posse do nosso presidente. Venha comer um pedaço comigo.

- Você está louca, Maninha – respondeu Dalila com aspereza – não posso comer isso, não! Estou de regime, tenho de emagrecer dez quilos a tempo do casamento do Douglas!

- Não estou entendendo, Dalila, porque ontem você foi vista lá no Copo Sujo, juntamente com aquele mau elemento do Zé Luiz, tomando cerveja e comendo torresmo com mandioca!

- Quem foi o linguarudo que já deu com a língua nos dentes? Eu estava lá somente fazendo companhia para o Zé.

- Tudo bem, Dalila, então vá para os quintos. Quando você estiver bem magra, igual a uma folha seca, que o vento a carregue para bem longe, ok?!

Maninha é uma mulher de fibra e não desiste fácil dos seus propósitos. Examinou bem a sua lista e resolveu ligar para o Daniel, este sempre muito solícito.

- Daniel, venha aqui em casa, agora, para você comer um pedaço de pudim de milho com calda de canela. Você vai amar, pois o pudim está lindo e gostoso.

- Não vai dar, Maninha, o Jorge está aqui em casa.

- Ora, venha você e o Jorge!

- Nem! Para você dar em cima dele, como da outra vez?

- Daniel, meu querido, já pedi desculpas! Eu havia exagerado no vinho, somente isso. Você sabe que não sou assim!

- Desculpe, Maninha, mas hoje não.

- Não vem, não? Então que se dane, chifrudo, trem à toa. Você não merece comer do meu pudim.

De repente, Maninha ouviu algazarra de crianças na rua. Saiu, deu uma espiada, e viu um bando que se aproximava. Então, interpelou os guris:

- Oi, fiz um pudim delicioso, mas é muito para eu comer sozinha. Vocês aceitam?

Em coro, as crianças manifestaram satisfação. Maninha tirou o pudim da bandeja de porcelana, colocou numa de plástico e entregou-a àquele que parecia ser o de mais idade entre os beneficiados. As crianças saíram discutindo por causa da iguaria. Maninha ficou radiante: enfim, alguém valorizou a sua generosidade.

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