OS BALAIOS E A CONFUSÃO

1. O comerciante Manuel dos Anjos Ferreira (1784 – 1839), conhecido por Manuel Balaio, ganhava a vida com o comércio de cestos de palha, chamado de balaio – que servia para acondicionar os grãos tanto em estoque como em transporte. Teve duas filhas estupradas por um capitão chamado Antonio Guimarães;

2. O vaqueiro Raimundo Gomes Vieira Jutaí (? - 1841), ou Raimundo Cara Prêta, um mestiço administrador de fazenda. Trabalhava na fazenda de um padre chamado Inácio Mendes. Líder de tropa com práticas de cangaço; 3. O quilombola letrado Cosme Bento das Chagas (1802 – 1842), conhecido por Negro Cosme, foragido de cadeia de São Luis acusado de homicídio, líder carismático e heróico de outros escravos foragidos e fugitivos. 

A CONFUSÃO 

O Brasil não tem tradições democráticas. Qualquer refutação nesse sentido só se comprova com movimentos populares realmente legítimos, vitoriosos e historicamente respeitados. Um país de pouco mais de 500 anos, dos quais mais de 350 foram dedicados à escravatura, ainda tem muito a aprender sobre democracia.

Desde a (mal) combinada independência de Portugal – uma elite com receio de ter cabeças cortadas ao estilo francês cedeu – afinal, nenhuma tropa portuguesa veio por estas bandas declarar guerra aos independentistas. Aliás, um pai não faria isto com o filho. O máximo foi chamar o rapaz de volta para casa. E quando o pai morre?

Pois o rei morreu em 1826 e o rapaz foi chamado a ocupar o trono (Príncipe herdeiro? E a tal independência?) de Portugal. Pois não é que o rapaz foi embora mesmo, em 1831, menos de dez anos depois de tal independência e ainda deixando no Brasil dos portugueses o filho, uma criança de nove anos – só foi declarado imperador em 1940, aos quinze anos, com o famoso golpe da maioridade, por causa de... Vejamos.

Por aqui a bagunça se instalou de vez e o nome da bagunça era “Período Regencial”. Verdade é que Portugal não estava ligando muito para o Brasil, exceto para a província do Maranhão (sim, Alcântara, lembra-se?) e do Grão Pará. Uma região enorme, altamente estratégica (até hoje) e que tomava todo o norte do Brasil, bem como o Mato Grosso e o próprio Maranhão, praticamente metade do país. Seria um excelente Vice-Reino. Foi por aquelas bandas que teve uma confusão chamada “revolta dos balaios”, a balaiada (1938 – 1841).

Aconteceu por volta de 1838. Naquela época, o pessoal de esquerda era quem apoiava a independência de verdade de Portugal, os liberais e de direita eram portugueses e brasileiros que apoiavam a independência de fachada, do tipo “para inglês ver”. E eles queriam mesmo ver isto.

Na província do Maranhão foi editada a conservadora Lei dos Prefeitos, os quais poderiam – e eram escolhidos pela Regência – exercer grande poder de polícia, coisa como senhores feudais tupiniquins. Poderiam mandar soltar e prender, até convocar jovens para alistamento nas tropas da guarda. Os liberais, por sua vez, tinham um jornal chamado Bem-Te-vi e desceram a lenha na tal lei.

Não estava adiantando muito até que o irmão de Raimundo Cara Prêta (2) foi preso por conta dela, ordem de um Prefeito conservador. O cara ficou uma fera. Entrou na cadeia de Vila Mangá com seu bando, soltou o irmão e todos os demais presos. Aí sim o Bem-te-vi fez festa e jogou lenha na fogueira. Ocorre que a Regência reagiu, mas daí veio Manuel Balaio (1), nada contente com os militares, em socorro de Raimundo. A regência reagiu mais ainda, e aí veio o Negro Bento (3) com seu bando e socorreu todo mundo.

Os balaios estavam formados, aproximadamente 3.000 rebeldes. Insuflados e empolgados – isso que é balaiada - tomaram uma vila importante, Vila de Caxias das Aldeias Altas, local de grande arsenal bélico - Foi por isso que a Regência deu o tal golpe da maioridade de quinze anos.

Manuel Balaio, que havia se ferido com tiro, morreu em virtude da gangrena (outubro de 1839) e o movimento começou a perder liderança e apoio de comerciantes, mas a Regência, agora dotada de um imperador adolescente, nomeou um coronel para acabar de vez com aquela farra. Foi convocado o comandante Luis Alves de Lima e Silva para pacificar (conhecemos bem essa ideia de pacificação...!) a confusão. Pois o danado montou sua tropa, com canhões e tudo, e com quase nenhuma dificuldade retomou a Vila. Até ofereceu anistia imperial aos rendidos, pena de desterro apenas.

Nessa altura o Bem-Te-vi já tinha ficado calado. Nada de apoio aos rebeldes. Raimundo Cara Prêta aceitou a rendição e morreu (?) a caminho do desterro para São Paulo, em 1941. Ficou bem fraco o movimento, agora sem apoio dos comerciantes, vaqueiros e fazendeiros. Restou apenas a liderança de Negro Cosme e seus quilombolas. O cabra era casca-dura e já havia se proclamado Dom Cosme, Tutor e Defensor das Liberdades. Ora, o pacificador odiava o defensor das liberdades. Perdeu este último, que foi capturado e enforcado - a forca, sempre ela!

Como a confusão toda se deu na Vila de Caxias, o Coronel Luis Alves foi condecorado e recebeu o título de Barão de Caxias. Depois de outras missões acabou virando Duque de Caxias, algo inusitado. Lá, pelas bandas do Maranhão, os balaios fizeram (sua) história. Pouco contada, é claro. Afinal, para ser digno de história nesse país, tem que passar pelo crivo da elite. Nem o poeta Gonçalves Dias (1823 - 1864), natural de lé mesmo, Caxias, faz menção devida ao episódio. Tristes Trópicos. 

(*) Dedicado ao Motoclube Balaios.

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