O primeiro mentiroso

Domingos Sávio Calixto - CREPÚSCULO DA LEI – LXXXIX

“O Primeiro Mentiroso” é um filme de 2009  – The Invention of Laying – escrito, estrelado e dirigido por Rick Gervais. Trata-se de uma comédia (?) ambientada numa sociedade incapaz de mentir, ou seja, a estrutura psicológica daquelas pessoas desconhece os comedimentos morais que fazem a mente articular narrativas que não estejam de acordo com a ideia no seu estado bruto. Nesta sociedade a verdade reina.

Ainda que pareça ofensivo, tudo é dito sem nenhum constrangimento, seja de quem fala, seja para quem se fala. Todos os diálogos fluem nessa dimensão “de verdade” e nenhum dos membros da coletividade se importa com o que ouve, assim como também não se estabelece moderação alguma em qualquer crítica ou abordagem que se queira pronunciar ou incorporar ao diálogo.

Significa que é uma sociedade que faz uso do livre arbítrio sem qualquer freio da moral, mas não que tudo seja considerado IMORAL. Ao contrário, trata-se de um cenário de AMORALIDADE, ausência total dessa moral responsável pelo senso de culpa que põe freios às palavras. Esse tipo de moral é desnecessário e tudo pode ser dito, como também ouvido. Simples assim.

Ocorre que, por alguma espécie de colapso mental oriundo de (sua) escassez econômica, a personagem principal responde ao caixa do banco sobre seu saldo indicando um valor superior ao que realmente existe (não havia necessidade de registros, já que todos diziam a verdade). Como consequência, ele (a personagem principal) sai do banco com um valor suficiente para quitar suas dívidas, muito embora sabendo da menor previsão de fundos em sua conta.

Estava, pois, inventada a mentira, e ainda, ele era a ÚNICA pessoa com essa capacidade. Claro que ficou rico, pois tudo que dizia era evidentemente tomado como verdadeiro.

Ora, trazendo para os dias atuais a metáfora e a carga dos signos que a película apresenta, pode-se verificar que essa técnica foi aperfeiçoada por diversas autoridades do atual governo. Aliás, tão bem aperfeiçoada que a capacidade de mentir é acompanhada de risos, às vezes alternada com ameaças e deboches, mas tudo produzido com uma espontaneidade assustadora.

O desempenho envolve a técnica insuperável de dizer, por exemplo, em público e para o mundo “que não existe pandemia”, pois tudo não passa de uma “gripezinha”, ou dizer que “tudo é assim mesmo”, que “todos vão morrer um dia”, que “a economia do Brasil está decolando”, que “não existe desemprego”, que “não existe corrupção no governo”, “que o dólar não está alto”, que “não está faltando arroz” e que tudo é “culpa dos pobres e que devem comer menos, caso sejam patriotas”.

É uma técnica impressionante, mas o desempenho maior mesmo é dizer que o Brasil é o país do mundo “que mais protege o meio ambiente” e que “não está havendo queimadas, nem no Pantanal, nem na Amazônia”. Tudo dito e desempenhado com sorrisos de escárnio em conúbio com um deboche centralizado num rosto incapaz de demonstrar o menor vestígio de vermelhidão, mesmo sabendo que tais coisas vão causar assombro e pasmo em toda a imprensa mundial.

Portanto, não saiu daqui o “primeiro mentiroso”, mas seguramente aqui estão atuando os melhores. O “Nobel” da mentira é, seguramente, brasileiro. Pode acreditar.

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