O possante do meu pai

Amnysinho Rachid

Outro dia, arrumando alguns livros ‒ exercício muito elaborado em tempos de pandemia ‒, caiu no chão uma foto antiga.  Sabe aquelas fotos quadradinhas coloridas de máquina fotográfica Kodak? Aquelas que, enquanto o filme de rolo estivesse rodando, não podíamos abrir, se isso acontecesse queimava todas as fotos já tiradas? Era uma dureza! A foto era do meu pai dirigindo sua Belina, saindo na rua São Paulo, esquina com a avenida Antônio Olímpio de Morais.

Nesta foto, ele estava com minha mãe e com o meu sobrinho Leonardo, que na época devia ter um ano e pouco e passeava em pé ao lado da minha mãe. Tempo que as coisas eram leves e nem cinto de segurança era usado.

Olhando aquela foto, voltei ao tempo e parei para pensar como era diferente a maneira de dirigir um automóvel.

Quando tinha uns 12 para 13 anos, resolvi roubar o carro do meu pai para dar uma volta. Naquela época usava-se ter um carro para viajar com a família, que ficava guardado na garagem, e um outro que era para o serviço. O carro escolhido foi o de serviço, a Belina, que ficava guardada em um estacionamento na rua São Paulo. Esperei anoitecer, já pensando que teria menos gente na rua,  peguei as chaves e fui executar o plano.

Saí sem problema, pois era muito curioso e já estava ligado em como meu pai dirigia. Rodei uns quatro quarteirões, naquela época na nossa cidade não existia ruas de mãos únicas, me achei um verdadeiro motorista. Voltando, entrei no estacionamento e parei na vaga do meu pai. Aí começou o meu problema. Achei que não havia estacionado direito e que a pilastra estava muito longe do carro, dei uma ré e, virando o volante, a pilastra chegou muito rápido no carro, passando para dentro dele. Não satisfeito, tentei consertar. Coloquei uma primeira e acelerei, rasgando boa parte da porta. Pensei: tô frito.

Desci do carro branco como cera e parti para enfrentar meu pai, que neste momento já estava dormindo. Entrei no seu quarto já aos prantos: “Pai, pai, pelo amor de Deus, pai, me ajuda”. “O que foi, meu filho?”,  disse meu pai já levantando, procurando os óculos e arrumando o cabelo. Aí comecei as explicações: “Trombei seu carro”. Logo meu pai perguntou: “Machucou, matou alguém estragou um outro carro?”. “Não”, disse eu, pulando sem parar, “Trombei na garagem, vamos lá para você ver”.

Nessa hora, meu pai deitou de novo e me disse: “Amanhã eu vejo”. Eu continuei do lado: “Por favor, vamos lá”, e escutei: “Some daqui, meu serviço é de construtor, e não de lanterneiro, some, moleque”. Saí e quase não dormi de tamanha ansiedade. Na manhã seguinte fui chamado pela secretária do meu pai, que pediu para que fosse à construtora.

Lá chegando, foi logo me dizendo: “Vamos ali”. Caminhamos até a Savassinha, onde existia uma autoescola, chamada 4 Rodas. Entramos e meu pai foi logo dizendo: “Ensina esse moleque a dirigir para quando roubar meu carro não batê-lo”.

Dali para frente, comecei a dirigir e nunca mais bati, e até ensinei muita gente a dirigir e treinar para tirar carteira. Que digam meus primos Laila e Gilberto.

Na nossa adolescência, rodávamos muito com a Belina lotada de amigos, que tinha o doce apelido de possante... Tempos deliciosamente fantásticos.

E nós continuamos aqui, lutando e tendo a certeza de dias melhores. TOK EMPREENDIMENTOS, rua Cristal, 120 Centro.   

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