O político da caverna

Domingos Sávio Calixto - CREPÚSCULO DA LEI – LXXXVII

Platão (427 – 347 a.C) era um playboy ateniense quando conheceu seu mestre Sócrates em praça pública. Sócrates já beirava seus 60 anos e estava onde mais gostava: na praça, debatendo sua maiêutica – arte de fazer nascer o conhecimento através do debate – e Platão, 20 anos, ficou impressionado. Nunca mais foi o mesmo, principalmente quando – aproximadamente – 10 anos depois seu mestre fora condenado ao suicídio por cicuta. 

Claro que uma morte tão infamante fora facilitada pelas condições sociais de Sócrates, o qual era pobre e – provavelmente – não sabia nem ler, nem escrever – em que pese toda sua sabedoria.

Eis que, anos mais tarde Platão – lá pelos seus 50 anos – escreveu a maior obra sobre “justiça” do ocidente: A República (ou Politeia, 377 a. C.), totalmente voltada aos ensinamentos do mestre, na qual desenvolve a ideia de justiça no horizonte de “uma república” e cuja síntese se alicerça na compreensão da política e do político.

O ponto alto da obra está no capítulo VII, onde se encontra o famoso mito da caverna e cujo conhecimento – provavelmente – possui uma dimensão universal (normalmente as fábulas se caracterizam por muitos adornos e pouca carga simbólica e nas parábolas os adornos e cargas simbólicas se equivalem,  nos mitos praticamente não existe adorno e as cargas simbólicas são altíssimas).

Pois bem. No mito da caverna (subterrânea) encontra-se o simbolismo de pessoas acorrentadas em uma parede e colocadas de frente para os fundos dela. Estão ali acorrentados desde que nasceram. Atrás da parede onde se encontram acorrentados estão as pessoas que os acorrentaram, os “amos” ou senhores da caverna. Eles estão posicionados atrás da parede e mantêm as chamas de uma fogueira num plano mais elevado, de tal sorte que conseguem projetar imagens ao fundo caverna com ajuda das chamas. Projetam o que querem.

Os acorrentados vivem assistindo aquelas sombras e conversam sobre elas, até trocam deduções. Aqueles que mais conhecem (d) as sombras se sobressaem e normalmente são eleitos como líderes deles. Assim, eles se julgam livres e vivem felizes, já que podem até votar no líder, enquanto os senhores da caverna se divertem do outro lado.

Ora, as sombras aos fundos da caverna simbolizam a materialidade das coisas e o apego a elas, ou seja, um apego ao mundo material que pode ser somente visto e sentido. Assim a fogueira simboliza o estímulo ao desejo para tê-las, de tal sorte que se vive apenas no desejo das coisas materiais. Os senhores da caverna simbolizam a estrutura social que cria erros e ilusões para tirar proveito deles, os acorrentados.

Quando um dos acorrentados, por força de sua curiosidade e iniciativa, consegue se deslocar com muita dificuldade até a saída da caverna, ele vai se deparar com a luz do conhecimento. É uma luz forte e de difícil adaptação, já que ele foi criado nas sombras, mas a assimilação acontece e ele se depara com uma nova realidade, um novo mundo, e fica maravilhado!

Ocorre que ele é humano e, por conta disso, sua humanidade se equivale a uma fraternidade inata e ele sente a necessidade de voltar para auxiliar seus irmãos na descoberta desse novo mundo, efetivamente muito melhor. Para tanto, ele vai se esforçar e, mesmo com todas as dificuldades, tentará resgatar seus irmãos porque são partes de um todo nessa jornada de uma existência conjunta, fraterna e feliz. Para Platão este é o POLÍTICO (!).

Sim, para Platão o político é um sábio que transcende as sombras e chega à sabedoria. Não contente, ele sente a necessidade de resgatar seus irmãos até ela para que juntos possam desfrutá-la.

(Um suspiro… Outro suspiro) Estamos ferrados! Com os tais que se dizem (ou não) políticos por aí, dá vontade de ficar quieto na caverna. Sem televisão, claro.

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