O Natal que eu vivi

Leila Rodrigues

A casa tinha cheiro de Natal, a cozinha, em especial, tinha cheiro de Natal. O movimento das panelas, os enfeites, a chuva de dezembro que se misturava ao entra e sai das pessoas... Era assim o Natal.

De presentes mesmo, muito pouco. Porém, cheio de presenças! Os tios vinham de longe, os primos, com sotaque paulista e com histórias novas do lado de lá. E nós, os meninos de Minas, da rua de chão batido, que tínhamos barro nos pés e sonhos na cabeça, ouvíamos, com os olhos brilhando, falar da cidade grande!

Natal tinha gosto de família. E que gosto! O tio querido que vinha de longe e trazia o violão. A tia que trazia roupas diferentes daquelas que vestíamos todos os dias. As primas, já moças, despertando as paixões nos rapazes da cidade. E eu, assistindo a tudo isso e sonhando ser como elas.

Natal se traduzia em matar a saudade, união, acolhida, abraços e afetos. Mal sabíamos nós que aqueles eram momentos de refazer os laços. Refazer os laços com aqueles que nascemos entrelaçados.

A leitoa não era o mais importante, nem o panetone vindo de longe, nem os vinhos e muito menos a farofa. Mas tudo estava ali, cuidado e preparado para fazer a alegria de quem viesse. Muito pouca coisa era comprada pronta, porque o prazer de preparar era o presente sincero e bem-vindo.

Não existia lista de convidados, ninguém pagava para entrar e todos comiam a mesma comida. Não tinha nada light nem diet. Nada sem glúten, sem lactose ou qualquer outra restrição. Mas tinha o tempero da minha avó e das minhas tias. Tinha um cheiro que despertava a vontade de comer. E tinha, sobretudo, amor, muito amor! Amor silencioso, que não dizia nada, que se apresentava no cuidado e na atenção verdadeira.

Por amor e por livre e espontânea vontade, elas faziam tudo aquilo. Por amor e por livre e espontânea vontade, pedíamos benção. Por amor e por livre e espontânea vontade, respeitávamos as hierarquias. Por amor e por livre e espontânea vontade, ninguém tinha outro programa melhor que aquele: estar com a família.

De tão felizes, não tiramos fotos, ninguém lembrou disso. De tão felizes, não deu tempo de registrar. Mas basta chegar dezembro para assistirmos de novo esse filme que ficará para sempre na memória dos netos da Dona Quinha! Era em volta dela que reuníamos, era por ela que estávamos ali. Era ela quem comandava a festa. E tudo durou enquanto ela existiu.

...E todo dezembro eu sinto no ar o cheiro dela. Saudades, vó Quinha! Te amarei eternamente!

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