O fim da meia-entrada e a elitização da cultura no Brasil

Maria Tereza Oliveira 

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) do ano passado foi a "Democratização do acesso ao cinema no Brasil". Menos de um ano depois, o Ministério da Economia se coloca favorável à extinção das regras que determinam a meia-entrada em cinemas do país. O possível fim da meia-entrada coloca em perspectiva novamente a falta de acesso da população brasileira à 7ª arte. Não é de hoje que é evidenciado o distanciamento entre o cinema e o público no país. O consumo deste lazer é limitado e quem vai com frequência é uma parcela pequena e privilegiada da população. 

A pandemia e o distanciamento social reviveram o cinema drive-in. A nova forma de consumir cultura também foi adotada por músicos e alguns shows já foram realizados neste período de quarentena. Como já abordado em uma coluna anterior, o cinema drive-in consiste na ideia que as pessoas assistam os filmes dentro de seus carros, com até dois ocupantes por sessão.

Apesar de ser uma alternativa para os cinéfilos, a volta do cinema drive-in reforça a falta de acessibilidade para a população. O cinema nos tempos habituais já é considerado um privilégio da elite, pois, além da escassez das salas em cidades brasileiras, o valor do ingresso é elevado. Ao limitar a sessões para as pessoas que possuem carro, apesar de ser mais seguro, o abismo entre as classes mais baixas e a burguesia se torna mais evidente. 

Meia-entrada

Em 2001 foi criada em todo o território nacional alguns estados já tinha suas leis sobre isso uma Medida Provisória (MP) que garantia a meia-entrada. Mas, só em 2013, no governo Dilma (PT) foi criada uma lei sobre o tema, com algumas modificações feitas em relação à MP, e passaram a ter direito à meia-entrada estudantes, idosos, pessoas com deficiência e seu acompanhante, quando necessário e jovens de baixa renda com idade de 15 a 29 anos, em espetáculos artístico-culturais e esportivos, incluindo cinema. 40% da carga de ingressos são destinados à meia-entrada.

Há alguns meses diversos cantores sertanejos se reuniram com o presidente para pedir o fim da meia-entrada. No entanto, pouco tempo depois teve início a pandemia do coronavírus e, com os shows paralisados, o assunto também se estagnou.

Porém, na última terça-feira, 4, o Ministério da Economia se disse favorável ao fim da meia-entrada em cinemas. O posicionamento foi uma resposta à consulta pública da Agência Nacional do Cinema (Ancine) sobre o assunto. A Ancine alega que uma parte maior da população continua desassistida, mesmo com a meia-entrada como está em vigor hoje.

O Ministério, apesar de concordar que parte da população perderá o acesso ao cinema, alega que o fim da meia-entrada vai proporcionar o aumento da liberdade de ação do exibidor quanto aos preços, além da redução de custos da parcela da população que paga o ingresso inteiro.

Cada vez menos acessível

Caso a meia-entrada de fato seja extinta, é mais um distanciamento entre parte da população e a cultura. O preço dos ingressos já era elevado antes da pandemia uma média de R$ 30 e, agora, sem a meia, apesar de poder sofrer uma redução na inteira, não chega a ser suficiente para compensar o abismo de quem muitas vezes não consegue juntar nem o dinheiro para a metade do ingresso.

Como se não bastasse, os prejuízos da indústria cinematográfica tem sido descontado principalmente no público. O live-action de "Mulan", por exemplo, que originalmente estrearia no dia 9 de março nos cinemas, foi adiado e na terça-feira foram revelados nova data e novo formato de estreia. O longa trocou as telonas pelas telinhas do serviço de streaming Disney+, mas não irá de graça para os assinantes do serviço. Quem quiser assistir o filme terá de desembolsar segundo as primeiras previsões US$ 29,99 para alugá-lo, além do valor já pago na mensalidade. A obra estará disponível a partir do dia 4 de setembro nos Estados Unidos.

Ainda na terça, foi anunciado que o Disney+ deve chegar à América Latina a partir de novembro. Caso os valores sejam convertidos, sem os impostos, só o aluguel do filme custaria R$ 158,69. Agora eu te pergunto, qual parcela da população brasileira teria esse valor para assistir um filme? Enquanto o tema da redação do Enem do ano passado não for de fato debatido pelos governantes, a cultura no Brasil continuará sendo cada vez mais segregadora.

Maria Tereza Oliveira é jornalista e editora-chefe do site cebolaverde.com.br

Comentários