O demônio e a mulher

Domigos Sávio Calixto 

Não fosse pela mulher, o demônio não seria “demônio”. Essa é a lógica do livro “O martelo das bruxas” (Malleus Maleficarum, 1486), publicado no período medieval com o propósito de “esmagar” as práticas de bruxaria mediante os duros golpes da mão divina, tudo cominado com espetáculos do horror das torturas, estupros e fogueiras.

A vinculação mulher – demônio não é um fenômeno tão medieval quanto parece. Ao contrário, demônio e mulher continuam sendo utilizados em técnicas modernas de violência contra o feminino. Eis a questão: o feminino.

Mais que a mulher, a dimensão do feminino permanece dependente do controle do satânico, de tal sorte que deve ser apresentado como um território sombrio, maléfico e tenebroso, portanto devendo ser administrado com todas as cautelas pela (des) razão masculina.

Como o extrato de toda ignorância se manifesta pelo medo, o masculino tem (muito) medo do feminino, e é por isso que ele (o feminino) é apresentado como algo ignorantemente satânico.

A crença na existência do demônio faz (ou tenta) justificar muitas formas de violência dentro da espécie humana e, seguramente, a mais sórdida delas é a violência contra o feminino. A violência contra o feminino é bem mais ampla que a violência contra a mulher, posto que o feminino pode se apresentar não só na mulher, como também nas demais diversidades que se opõem ao masculino, quais sejam gays, lésbicas, travestis, transexuais e todas as demais consideradas afrontas (?) ao masculino. 

Assim, o demônio continua sendo o grande aliado do masculino, tanto que não teve coragem de confrontá-lo no jardim do Éden. Sequer a criação humana teve origem no feminino para que se pudesse “dar a luz” às gerações seguintes, o que seria o óbvio.

Há um discurso nos dias atuais enaltecendo a submissão da mulher ao marido ou companheiro, perpetrado fortemente por setores das igrejas neopentecostais, inclusive projetando no viés doméstico puritano a contenção – até abstinência -  da práticas sexuais, mais uma vez com o auxílio do demônio, já que a mulher que toma para si o domínio do seu (próprio) feminino está patenteada  ao chifrudo.

Parece mesmo uma praga cósmica: o feminino vigiado pelas forças do mal, pelo senhor das trevas, por belzebu ou coisa que o valha.

A atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos já se posicionou favorável à contenção (sexual) do feminino e à submissão da mulher ao marido. Ora, Senhora Ministra, vá então para casa e submeta-se aos rigores da masculinidade. Depois, retorne e conte com detalhes sobre a experiência, se o companheiro permitir, claro!

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