Nem todos os cães mortos no Crevisa tinham leishmaniose, mostram laudos

Ricardo Welbert 

Nem todos os animais encontrados mortos em um freezer do Centro de Referência de Vigilância em Saúde Ambiental (Crevisa) de Divinópolis tinham leishmaniose, como afirmou o órgão em março. O Agora teve acesso aos 14 laudos emitidos por uma veterinária e um biólogo do Centro Universitário de Formiga (Unifor). Os exames foram feitos a pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

O caso começou em março, quando pessoas ligadas à Sociedade Protetora dos Animais de Divinópolis (Spad) encontraram carcaças armazenadas em um freezer. As imagens foram publicadas na internet e muitos internautas criticaram o Crevisa, que divulgou nota afirmando que os animais foram coletados pelo programa de controle da transmissão de Leishmaniose Visceral Canina (LVC).

— Todos os animais encontrados dentro dos freezers do Crevisa são aqueles cujos testes feitos deram positivo para leishmaniose. Os donos assinam autorização para o procedimento — informou.

O coordenador regional das promotorias de Defesa do Meio Ambiente da Bacia do Alto São Francisco, Leandro Wili, pediu à Polícia Militar de Meio Ambiente que recolhesse as carcaças e as encaminhasse ao Unifor para exames laboratoriais. Os restos de tecidos e órgãos foram submetidos a um exame sorológico que permite a detecção de anticorpos específicos e é usado no diagnóstico de várias doenças.

Os laudos são assinados pela veterinária Fernanda Pinheira Lima e pelo biólogo Fernando Sérgio Barbosa, especialista em parasitologia. Em alguns casos, os resultados dos testes feitos por eles em laboratório divergiram das informações usadas pelo Crevisa para justificar as eutanásias. 

Animal 1 

O primeiro animal analisado foi uma cadela dálmata que havia sido atropelada na rua Fósforo. Ela foi eutanasiada em 20 de março. No laudo que justifica o sacrifício, os motivos citados são: paralisia dos membros posteriores, miíase no cotovelo esquerdo, caquexia e secreção vaginal purulenta.

— Foi verificado ainda que os cornos uterinos estavam muito congestos, o que sugere piometra em estado clínico avançado. Não foi observado sinal de fratura. O estudo lesonológico no animal não permitiu saber causa mortis — diz o laudo. 

Animal 2 

O animal citado no segundo laudo é a cadela Belinha, coletada na rua Rio Branco, no bairro Porto Velho. Segundo o Crevisa, ela foi sacrificada no dia 19 de março porque tinha leishmaniose; onicogrifose; dermatite fufurácea e feridas na região dos olhos e nas orelhas. 

— Não foi constatada a presença de onicogrifose e nem ferida no focinho. Foram coletados fragmentos do baço e fígado para realização de exame para confirmação de leishmaniose. O resultado deu positivo.

— No entanto, para indicação de eutanásia, é necessário o exame de sorologia para LVC, e não apenas o teste de triagem. Pode-se inferir que houve imperícia e imprudência ao realizar eutanásia de cão com suspeita clínica de LVC, tendo como fulcro os achados clínicos e o a realização apenas do teste de triagem [...] sem realização de exame sorológico para confirmação — dizem os especialistas. 

Animal 3 

O terceiro animal é a cadela Bela, que chegou ao laboratório junto com uma cópia do diagnóstico de leishmaniose confirmado por exame de triagem e o termo para autorização da autanásia.

— Por estar com cópia de resultado de exame para leismaniose, não foi necessária realização de análise. [...] O procedimento de eutanásia é recomendado diante de resultados reagentes no método de diagnóstico Elisa —  afirmam.

Animal 4 

Também não houve confirmação da doença no animal identificado pelo número quatro – uma cadela poodle branca e chamada Júlia.

— O resultado do exame foi negativo para leishmania, o que comprova a necessidade de realização de sorologia antes do procedimento de eutanásia. Pode-se inferir, mais uma vez, que houve imperícia e imprudência na eutanásia — dizem.

Animal 5 

O quinto animal é uma cadela marrom, de grande porte e sem raça definida. Ela tinha ferida em uma das orelhas e no focinho, ceratoconjuntivite e onicogrifos – condições citadas no documento que autorizou a eutanásia. Também foram percebidas pulgas.

— Foi realizado exame que apresentou resultado positivo para leishmania. No entanto, para indicação de eutanásia é necessário o exame de sorologia, e não apenas o teste de triagem. Pode-se inferir que houve imperícia e imprudência realizar eutanásia de cão, tendo como fulcro os achados clínicos e o a realização apenas do teste de triagem, sem realização de exame sorológico para confirmação — concluem os especialistas. 

Animal 6 

A sexta carcaça examinada foi a de um gato preto e branco doente coletado na rua Recife, 930, no bairro Dom Cristiano. O termo de autorização para eutanásia do Crevisa cita esporotricose – tipo de micose provocado por fungo.

Os exames confirmaram alterações típica da doença na face, região cervical e membro anterior direito do animal. Devido ao estado de conservação, não foi possível coletar material para confirmar em laboratório.

— A esporotricose é uma zoonose e não consta na legislação que seja obrigatória a realização de eutanásia, pois a mesma é passível de tratamento. Se este gato tinha um tutor, que assinou o termo de autorização para eutanásia, a responsabilidade por decidir ou não tratar e levá-lo a um serviço veterinário particular para o tratamento ou a realização de eutanásia era dele. O serviço de controle animal de um município não pode assumir responsabilidades inata dos munícipes — afirmam o a veterinária e o biólogo. 

Animal 7 

O sétimo bicho é uma cadela pinscher preta e pequena. A equipe constatou a presença de onicogrifose, emagrecimento, ceratoconjuntivite, esplenomegalia e fígado sem alteração macroscópica aparente. Não foram observadas alterações macroscópicas em outros órgãos. Não foram coletados fragmentos do baço e fígado para realização de exame, pois os achados patológicos, sobretudo a esplenomegalia, estavam condizentes com LVC e para evitar despesas desnecessárias ao processo.

— Considerando que o diagnóstico clínico da LVC é difícil de ser determinado devido a grande porcentagem de cães assintomáticos ou oligossintomáticos existente, pode-se inferir que houve imperícia e imprudência ao realizar eutanásia de cão com suspeita clínica de LVC tendo como fulcro os achados clínicos e a realização apenas do teste de triagem, sem realização de exame sorológico para confirmação — diz a conclusão do laudo. 

Animal 8 

Já a oitava carcaça coletada no Crevisa é a de uma cadela amarela sem dono e doente coletada na rua Oeste de Minas, no Centro. O documento que justifica a eutanásia cita fratura na mandíbula.

— Foi observado miíase no membro anterior direito e fratura bilateral de mandíbula. A eutanásia é recomendada neste caso — defendem. 

Animal 9 

Cadela preta atropelada na rua do Ceci, no bairro Jardim Candidés. Eutanásia feita no Crevisa em 19 de março, por fratura da coluna vertebral na altura das vértebras lombares e hemorragia anal. Os especialistas da Unifor não encontraram esses indícios.

— Não havia evidência de sangramento anal. As fezes estavam formadas sem conter secreção de sangue. Coluna vertebral sem evidência de fraturas. Órgãos sem alteração macroscópicas aparentes. O estudo lesonológico no animal não permitiu saber a causa da morte — dizem os profissionais. 

Animal 10 

Segundo o Crevisa, um cão de rua de grande porte, sem raça definida, pintado e doente com LVC coletado na rua Bom Sucesso, 341, no bairro Interlagos. No termo de autorização da eutanásia consta LVC confirmada por exame de triagem e avalição clínica por veterinário, que mostrou emagrecimento, onicogrifose, feridas nas orelhas e feridas perioculares.

— Não foi constatada a presença de onicogrifose, como emagrecimento, nem de feridas na orelha, sem ceratoconjuntivite, presença de alopecia periocular, presença de ectoparasitos (pulgas e carrapatos), miíase na escápula esquerda, na região abdominal, tórax, dorso lateral direito e região sacral. Baço e fígado sem alteração macroscópica aparente, assim como também não foram observadas alterações macroscópicas em outros órgãos. Foram coletados fragmentos do baço e fígado para realização de PCR para confirmação de LVC.

— Foi realizado exame de PCR que apresentou resultado positivo para leishmania. No entanto, para indicação de eutanásia é necessário o exame de sorologia, e não apenas o teste de triagem. Pode-se inferir que houve imperícia e imprudência realizar eutanásia de cão com suspeita clínica de LVC, tendo como fulcro os achados clínicos e o a realização apenas do teste de triagem DPP (conforme consta no prontuário e termo de eutanásia) sem realização de exame sorológico para confirmação — concluem. 

Animal 11 

Cão preto coletado na rua Dr. Sebastião Nunes de Paula, 115, no Niterói. Morto no Crevisa em 14 de março, por LVC confirmada por triagem. Foram citados também sintomas como emagrecimento, onicogrifose, feridas perto dos olhos, nas orelhas, no focinho e córnea opaca.

— Não foi constatada a presença de onicogrifose e não apresenta emagrecimento. Devido ao estado de conservação, não pôde se observar presença de ferida nas orelhas. Baço e fígado sem alteração macroscópica aparente, assim como também não foi observado alterações macroscópicas em outros órgãos. Foram coletados fragmentos do baço e fígado para realização de teste para confirmação de LVC. Pode-se inferir que houve imperícia e imprudência realizar eutanásia de cão com suspeita clínica de LVC tendo como fulcro os achados clínicos e a realização apenas do teste de triagem, sem realização de exame sorológico para confirmação. Foi realizado exame que apresentou resultado negativo para leishmania, o que comprova a necessidade de realização de sorologia para LVC antes do procedimento de eutanásia — ressaltam a veterinária e o biólogo. 

Animal 12 

Cão preto da raça pinscher, de pequeno porte, diagnosticado pelo Crevisa como portador de LVC, emagrecimento, onicogrifose, feridas nas orelhas e paralisia dos membros posteriores. Não foram verificadas feridas nas orelhas. Sem alopecia, apresentava onicogrifose, emagrecimento expressivo e infestação intensa por carrapatos, sobretudo no pavilhão auditivo. Fígado e baço sem alteração aparente, assim como também não houve alterações macroscópicas em outros órgãos. Foram coletados fragmentos do baço e fígado para confirmação da LVC.

Carrapatos são responsáveis pela transmissão de babesiose, que causa emagrecimento e é diagnóstico diferencial para LVC. No entanto, para confirmá-la seria necessária coleta de sangue.

— O exame apresentou resultado positivo para leishmania. No entanto, para indicação de eutánasia é necessário o exame de sorologia para LVC, e não apenas o teste de triagem. Pode-se inferir que houve imperícia e imprudência realizar eutanásia de cão com suspeita clínica de LVC, tendo como fulcro os achados clínicos e o a realização apenas do teste de triagem sem realização de exame sorológico para confirmação — dizem os cientistas.

Animal 13 

Neste laudo estão cinco filhotes de cão sem raça definida. O Crevisa não disponibilizou os prontuários.

— Devido ao estado de conservação e sem a presença de demais informações, não foi possível obter informações relevantes. O estudo lesonológico nos animais não permitiu saber causa mortis — diz o laudo. 

Animal 14 

Situação parecida se repete no último animal. O órgão divinopolitano não disponibilizou o prontuário. Os técnicos de Formiga apuraram que era um cão amarelo. 

Devido ao estado avançado estado de decomposição e sem informações, não foi possível precisar o que pode ter ocorrido. O estudo lesonológico feito no animal não permitiu saber a causa da morte. 

Providências 

Após ler os resultados, o promotor Leandro Willi afirmou que existem “divergências graves”. Segundo ele, a equipe do Crevisa deverá ser chamada para depor sobre os casos. Ele também pretende ouvir a equipe de laboratório da Unifor.

— Estou agendando os depoimentos para depois do dia 20 — conta. 

Outro lado 

Procurada pelo Agora, a Secretaria de Saúde, que controla o Crevisa, se limitou a dizer que colabora com a promotoria para esclarecer os fatos. 

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