Na linha de frente, médico relata dor de famílias e preocupação com a cidade nos próximos dias

Com festas de fim de ano, impacto poderá ser sentido já na primeira semana de janeiro

Matheus Augusto

Ano novo, vida nova, pode não ser o caso em 2021. Apesar da expectativa da chegada da vacina contra covid-19 ainda no primeiro semestre, janeiro ainda é um mês de preocupação para as autoridades em saúde. Médico intensivista do Complexo de Saúde São João de Deus (CSSJD), Marcone Lisboa Simoes da Rocha conversou com o Agora e fez uma retrospectiva da pandemia, falou sobre as dificuldades e alerta para as próximas semanas.

Aprendendo com o mundo

O surgimento da nova infecção fez os profissionais de saúde em Divinópolis observarem o combate internacional da doença e a eficácia de seus métodos de enfrentamento ao vírus. Era questão de tempo até que a covid-19 chegasse ao país. Diante da inevitabilidade, conta o médico, os primeiros passos foram estruturar o hospital e capacitar os profissionais para receber os primeiros pacientes.

— A gente teve mais ou menos um mês de preparação. No período em que a Itália estava sofrendo, a Sociedade Europeia de Terapia Intensiva fez uma série de webinars para disseminar as informações preliminares que eles tinham — contou.

Ele ainda relata a mobilização para aulas e treinamentos, por exemplo, de como colocar e retirar os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). 

Enquanto a doença não chegava ao Brasil e a gravidade da pandemia em outros países acelerava, a preocupação aumentava.

— Foi um período realmente conturbado porque havia a informação que um número grande de profissionais da saúde estava adoecendo e precisando ser internados para serem cuidados tanto na Itália, nos Estados Unidos, Reino Unido… Houve uma angústia geral em todos, especialmente na enfermagem, que ficou abalada e se sentia muito insegura. Foi uma situação bem angustiante — comentou.

Início, meio e...

Em março, Divinópolis se tornava a primeira cidade de Minas Gerais com um caso confirmado do novo coronavírus. Em abril, a primeira morte. Desde então, o médico acompanhou a piora do cenário.

— De repente, os números de pacientes nas unidade foram  aumentando progressivamente, a gente chegou a ter uma ocupação significativa de pacientes realmente graves, difíceis de ventilar, insuficiência respiratória muito grave, um período em que os médicos ficaram angustiados com a dificuldade em tratar os pacientes e a ocupação alta

No meio do ano, apesar do aumento considerável de casos, Marcone destaca que os profissionais da saúde já possuíam mais informações sobre as melhores alternativas de combate ao vírus.

— Na sequência, de julho para agosto, a gente estava com muito mais experiência em tratar os pacientes, foram tendo novas informações sobre os estudos, estabelecendo o melhor tratamento a se oferecer aos pacientes, o que funcionava o que não funcionava, e as coisas correram bem. A despeito da dificuldade toda, os resultados que a gente tem apresentado estão melhores que a média nacional até dos internacionais e isso tem nos deixado tranquilo e desde o início que a gente tem feito um bom trabalho

A calma antes da tempestade. Por um período, a situação melhorou e se estabilizou ‒ mas o pior ainda estava por vir.

— Em meados de outubro, o número de pacientes caiu drasticamente. As coisas ficaram bem tranquilas. Em novembro, houve alguma oscilação e começou, em dezembro, com um alerta de uma crescente do número de pacientes e, antes de terminar a primeira quinzena, a gente já estava com 100% de ocupação dos leitos, tanto de SUS quanto de convênio — detalhou o intensivista.

Leitos

Para enfrentar a pandemia e aumentar sua capacidade de atendimento dos pacientes com covid-19, o Complexo de Saúde São João de Deus aumentou em 50% seus leitos de UTI, explicou o médico. Ainda no início da pandemia, foram realizadas compras de insumos, sedativos e equipamentos para garantir as condições necessárias para atender os contaminados.

Justamente por precisar de uma estrutura técnica e física, não é possível simplesmente ampliar a quantidade de leitos conforme a demanda aumenta.

— Não é tão simples a ampliação de leitos para covid, exige médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, equipamentos, uma certa experiência para atender esse paciente, não é qualquer médico que consegue atender um paciente grave nessa situação.

Mesmo com a ampliação da estrutura, o crescimento dos casos tem feito a ocupação da rede suplementar ficar acima de 80%. E o cenário não é exclusivo do São João.

— Nos últimos dois, três, dias estou com a preocupação ainda maior porque tenho entrado em contato com os intensivistas dos outros hospitais e a ocupação que a gente vê nas UTIs está realmente alarmante — justifica, citando que, um dos agravantes, é que a ocupação não covid está no mesmo patamar.

Celebrações em dezembro, internações em janeiro

Para o médico intensivista, as previsões não são otimistas. Com as festas de fim de ano, aglomerações e relaxamento das medidas de prevenção, as consequências podem ser graves no início de janeiro. Considerando o período de incubação do vírus de quatro a cinco dias, uma semana para os sintomas da doença se manifestaram e o agravamento dela entre o 8º e 10º dia, “a gente vai ver o resultado do Natal só pelo dia 6, 7 de janeiro”, calcula.

— Se a gente já entrar em janeiro com uma ocupação próxima de 90% podemos entrar em um caos quase que instantaneamente — avalia.

— Eu, pessoalmente, estou com um grande receio de que até o fim desta semana, pelo domingo, existe um risco de a gente não ter vagas em Divinópolis em nenhuma UTI privada mais. É um risco — comenta Marcone. 

Longo tratamento

O médico explica que, ao contrário de uma cirurgia eletiva, quando o paciente ocupa um leito em um dia e o deixa no outro, uma pessoa com covid-19 tende a permanecer internado por mais de uma semana.

— A maioria dos pacientes ficam na UTI por vários dias. Os pacientes que são entubados raramente ficam menos de sete dias. Quem melhora rápido, são pelo menos cinco dias — frisa.

Assim, um leito pode ficar ocupado de cinco a 30 dias, em média, gerando uma baixa rotação das vagas.

— A gente já teve pacientes que ficaram na UTI por mais de 30, 60 dias. Têm outros hospitais com 90 dias na UTI — cita.

Exaustão

O aumento da demanda de atendimentos também tem como consequência o cansaço dos profissionais de saúde.

— Da mesma forma que as pessoas estão adoecendo na cidade, os profissionais da saúde também estão. Apesar de que eu posso dizer com bastante tranquilidade que os profissionais não estão adoecendo dentro do hospital, mas pegando fora, porém no fim, está tendo uma falta muito grande de profissionais no hospital — cita o médico.

Segundo ele, apenas na semana passada, cerca de 150 funcionários estavam afastados de suas atividades por motivos diversos.

Familiares 

“Contexto complexo”, Lisboa também comentou sobre a dor dos familiares que não podem visitar seus parentes internados.

— Os pacientes que estão com covid não recebem visitas da família, pois, se ela está com covid, o familiar geralmente também está doente e se ele fica saindo de casa pode transmitir para pessoas no caminho — ressalta.

Diante da falta de acesso físico, as informações sobre o estado de saúde do paciente são repassadas por telefone.

— Não é fácil. Uma coisa é você ver o estado da pessoa, outra é imaginar com o que é descrito. Para as famílias, enfrentar isso é muito difícil — informa.

Ele também destaca que, por vezes, mais de um parente da mesma família são internados.

— Geralmente, o que a gente tem visto é que não fica doente uma pessoa só, mas muitos. É uma insegurança muito grande nas família e já vi vários casos que morreram mais de um da mesma família — relatou.

Agravamento

“É um momento difícil, estou muito preocupado”, define o médico Marcone Lisboa Simoes da Rocha.

— Hoje, tem pelo menos 30% a mais de ocupação do que o pico do meio do ano, talvez uns 50% — argumenta.

Diante do cenário, ele vê com pessimismo as próximas semanas.

— Do jeito que as coisas estão caminhando pode acontecer uma coisa bem ruim — finaliza.

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