MP recebe denúncia de má condução da Prefeitura durante a pandemia

Conselho Municipal de Saúde alega que ações do Executivo, como a flexibilização do comércio mesmo em onda roxa, tem aumentado as mortes e casos na cidade

Bruno Bueno

O Conselho Municipal de Saúde (CMS) apresentou, no início da noite de ontem, 7, uma denúncia ao Ministério Público (MP) sobre uma possível má condução da Prefeitura durante a pandemia. O documento, que é assinado pelo presidente da instituição, Warlon Carlos Elias, afirma que ações do Executivo, representados pelo prefeito Gleidson Azevedo (PSC), pela vice-prefeita Janete Aparecida (PSC) e o secretário de Saúde, Alan Rodrigo, tem aumentado o número de casos e mortes em consequência do coronavírus na cidade. A notificação foi entregue ao promotor de Justiça Ubiratan Domingues, Curador da Saúde do Município. 

O Agora teve acesso com exclusividade ao documento de 11 páginas que pode, se o MP acatar a denúncia, virar uma ação judicial contra os membros do Executivo.

Negacionista

Extensa, a denúncia apresentada pela CMS apresenta diversos argumentos que defendem a má administração da Prefeitura. Em primeira instância, a instituição alega que a gestão do prefeito Gleidson tem uma conduta negacionista em relação a pandemia, buscando restringir ao mínimo os serviços e atividades.

— Por primeiro se há de asseverar o descompasso surreal entre a gravidade da pandemia e as ações do Executivo para mitigá-la. Este governo defraudou desde suas primeiras horas, a bandeira negacionista da restrição mínima de atividades e serviços, mantendo desde então baixa mobilização de recursos humanos e materiais na fiscalização, que deveria ser incrementada na mesma proporção em que a ameaça pandêmica, mas que tem sofrido investidas restritivas, algumas delas feitas quando ainda nem sequer estava empossado o então recém-eleito chefe do Executivo, assim sinalizando a política de restrição sanitária mínima que efetivamente veio a perpetrar nas semanas e meses que se seguiram e que hoje cobram o preço que se vê nas filas de atendimento e no número de contaminados, doentes e mortos — explica o documento.

O Conselho também destaca, como argumento da denúncia, o decreto nº 14.298/21, lançado no último fim de semana pela Prefeitura, que permitiu o funcionamento de diversas atividades do município, como academias, autoescolas e o comércio varejista em geral, que são, ressalta-se, proibidas pelo Estado.

— De modo incongruente com a sua própria regulamentação posterior em Nota Explicativa, o decreto adere e ao mesmo tempo descumpre o protocolo da onda roxa da Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG). O decreto simula acatar os ditames estaduais quando, de fato, escancara flexibilizações de funcionamento de atividades e serviços estranhas à normatização estadual. Desnecessário salientar ao MP, a insegurança jurídica que decorre da ilogicidade dessa jogada ensaiada para encobrir, de modo moralmente duvidoso, a decisão política do mandatário de contentar interesses de um grupo de apoiadores políticos que pedem portas abertas a qualquer custo humano — afirma.

Cortina de fumaça

Outro ponto levado ao MP é que a Prefeitura tem realizado uma espécie de ‘cortina de fum aça’, ao omitir informações essenciais para conscientizar a população.

— O executivo tem esvaziado as instâncias de decisão colegiadas que deveriam participar da elaboração e da implementação da política municipal de saúde pública. Isso se verifica no progressivo esvaziamento do Comitê Municipal de Enfrentamento à Pandemia, quando o Executivo Municipal não dá a devida publicidade, de modo a permitir que a sociedade possa acompanhar a dinâmica e o resultado dos trabalhos. Enquanto se adensa a “cortina de fumaça” sobre o referido comitê, seu colegiado, como documentado em atas, perdeu vários de seus membros, em sua maioria, técnicos — explicou. 

O Conselho também denunciou uma falta de diálogo por parte do Executivo no que se diz respeito à divulgação de dados.

— Este conselho, por mais de uma ocasião, não mereceu do Executivo o devido acatamento de suas disposições. Não fosse o bastante, verificaram-se ainda situações em que dados relacionados à epidemiologia da covid-19 no município não foram prestados com a rapidez e a amplitude que este Conselho julga adequadas à efetivação de seu trabalho e à garantia da fiscalização do atendimento à saúde da população. Algumas respostas a pedidos de informação tardaram, enquanto outras vieram apenas parcialmente satisfeitas, como já amplamente discutido no Conselho, o que, em última instância, obstaculiza seu bom funcionamento — disse.

Tratamento precoce

O Conselho também afirma que a Prefeitura está cometendo um crime ao indicar o tratamento precoce contra a covid, que consiste no uso de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina, todos sem comprovação científica contra a doença.

A denúncia vem à tona após o vereador Eduardo Azevedo (PSC), irmão do chefe do Executivo, declarar, na última reunião da Câmara, que pacientes com covid estão sendo tratados precocemente por médicos locais. 

— Em Divinópolis, a Secretaria Municipal de Saúde declarou oficialmente não ter institucionalizado protocolo para embasar o referido tratamento, deixando-o, contudo, à deliberação dos profissionais de medicina da rede municipal. Posteriormente, um grupo de médicos tem percorrido consultórios do sistema municipal de saúde para estimular colegas a prescrever o tratamento. Não é, evidentemente, necessário lembrar ao ilustre representante do MP que o tratamento precoce não é esse tipo de tratamento é também uma prática suspeita de concorrer para diversos males — disse.

Leis

No documento, o Conselho Municipal de Saúde afirma que as ações da Prefeitura ferem diversas leis previstas na Constituição Federal.

A primeira seria, segundo a CMS, o desrespeito à diretriz de prevenção, já que as flexibilizações promovidas pelo Executivo Municipal atentaram contra o Artigo 196, que diz ser papel das políticas públicas de saúde adotar medidas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. A conduta também atentaria contra a Lei 8.080, que inclui a proteção à saúde. As ações do prefeito, segundo a entidade, também desrespeitam o princípio da participação popular.

— A conduta do atual governo municipal, ao desprestigiar as instâncias colegiadas de discussão das políticas de saúde pública no município, fere o artigo 198, III, bem como na Lei 8.080, em seu artigo 7º, VIII, e na Lei 8.142, em seu artigo primeiro, II, parágrafo 2º. No limite, o que se verifica é o comprometimento da própria ordem democrática no que tange à política de saúde, tendo em vista que os conselhos são feitos para prover de voz e vez a sociedade — explica.

A Prefeitura também estaria infringindo a Lei 8.080, que em seu artigo 7º, VII, dispõe sobre a utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática. 

—   O que se verifica é que as políticas públicas de saúde desenvolvidas pela atual gestão não se pautam, em decisivas ocasiões, pela evidência científica e sim por um critério que escolhe medidas pelo critério de levar em conta a pressão popular mais forte no momento — afirma.

Além disso, ao, conforme ao CMS, desrespeitar o direito social à saúde, o Executivo também estaria ferindo a Constituição Federal que, em seus artigos 6º e 196, inscreveu como dever do estado garantir políticas públicas para cuidar da saúde de seus cidadãos. 

Por fim, o Conselho afirma que a Prefeitura desrespeita os princípios da administração pública.

— Ao se conduzir de modo errático no enfrentamento à pandemia, o governo municipal incorre também em práticas que violam os princípios que preceitua a Constituição Federal, em seu artigo 37, para a administração pública. Viola, o princípio da eficiência e da transparência, quando não usa de medidas corretas para conter a pandemia e não divulga os verdadeiros dados do município — explica.

Pedidos

Depois de apresentar os argumentos da denúncia, o Conselho Municipal de Saúde pediu ao Ministério Público que intime o Executivo em várias instâncias, para que possa acatar os pedidos apresentados ao órgão.

O primeiro pedido solicita que a Prefeitura torne pública a base de dados epidemiológicos e a metodologia de interpretação para que a cidade possa flexibilizar atividades que são proibidas na onda roxa do programa Minas Consciente. O segundo, intima o Executivo que divulgue as estratégias de fiscalização sanitária. Também pede que as reuniões do Comitê Municipal de Enfrentamento ao Covid sejam gravadas ou redigidas para serem divulgadas à população.

O Conselho ainda solicita que o MP intime a Prefeitura para que apresente todos os dados relevantes, nos âmbitos da epidemiologia e das práticas de enfrentamento da covid-19. Além disso,  pede que o Executivo divulgue os dados de caráter científico para permitir o tratamento precoce da covid-19 no município. 

Por fim, a instituição pede que a Prefeitura intensifique as medidas de isolamento.

— De modo a torná-las compatíveis com o atual quadro epidemiológico do Município, ainda que seja necessário ser mais restritivo do que as regras emanadas do Minas Consciente, bem como a dar ampla publicidade das novas medidas a serem tomadas — pede.

Desdobramentos

No final do documento, o Conselho sugere ao Ministério Público que acate a denúncia contra o Prefeito, a vice-prefeita e o Secretário de Saúde por conduta omissiva materializada. 

Se acatar a denúncia, o MP pode notificar a Prefeitura para que haja de acordo com as normas previstas pelo estado, sob pena de crime, o cumprimento das normas da onda roxa, visto que as ações da Prefeitura tem causado o aumento no número de mortes e casos na cidade.

O outro lado 

 

Em nota, a Prefeitura de Divinópolis, através de sua assessoria de comunicação, respondeu às indagações da reportagem.

— Tivemos uma reunião terça feira, a convite do Ministério Público, para conversarmos sobre o Decreto 14.298, sobre a Nota Técnica e também sobre a flexibilização de alguns empreendimentos. Para tanto, foi elaborado um documento justificando o porquê dessa flexibilização, principalmente dos serviços que são considerados serviços em rede, na qual um depende do outro. Então, ficamos de entregar um documento para o Ministério Público, que já foi entregue,  esclarecendo sobre a flexibilização maior que a indicada no Minas Consciente em Onda Roxa, deixando bem claro que nós entramos na Onda Roxa há mais de 10 dias antes do Governo do Estado, ao contrário de outras cidades, e tomamos as devidas medidas necessárias muito mais restritivas do que o próprio Minas Consciente nas ondas anteriores e que por isso nós já teríamos condição de estar flexibilizando um pouco mais de forma que a economia e a saúde andem juntas, de forma consciente e responsável — explicou.

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