Me Tarzan, You... Shit!

Me Tarzan, You... Shit!

As riquezas africanas – emblemáticas de toda a terra – sempre atraíram o plano de roubo europeu. Em 1876 houve a nefasta Conferência de Bruxelas para o Reino do Kongo, que envolveu França, Bélgica e Portugal. Este último já colonizava Angola, mas França e Bélgica partiram para cima da região do Kongo com a ferocidade clássica by baionetas da Marselhesa.

Foi uma exploração tão sangrenta, mas tão lucrativa, que gerou outra mais nefasta conferência – a pedido do bondoso belga Leopoldo II - desta vez em Berlim. Sob a recepção de Bismark, a festança envolveu a própria anfitriã Alemanha, as bondosas Bélgica e França, a Áustria Húngara, Dinamarca, Espanha, Itália, Noruega (oh!...), Holanda, Rússia, Suécia (oh!!!...), Portugal, líderes otomanos e ela, of course, Inglaterra.

O cardápio foi o continente africano, servido e partilhado feito uma pizza gigante. Cada um com seu pedaço, catchup e sangue. Mais lucros e mais mortes – mais de 20 milhões de negros africanos. Não se tratou de uma carnificina oriunda de antigos impérios séculos a. C., mas de recente exploração genocida sem precedentes de um continente contra o outro, em pleno século XIX. Uma barbárie da qual o planeta inteiro jamais irá se recuperar.

E para tudo ficar bem claro, veio Tarzan. Sim, que significa exatamente “pele clara”, um personagem criado em 1912. O criador deste “lendário herói” foi o escritor americano de formação militar – que jamais pisou em solo africano – Edgar Rice Burroughs (1875 – 1950).

Tarzan, segundo seu criador – por sinal bem atento às práticas de espoliação da África – seria um bebê branco inglês, filho de aristocratas mortos e deixado na “selva africana” depois de um motim. Foi encontrado por “símios manganis”, os quais lhe deram nome e dele cuidaram (a áfrica, que Burroughs desconhecia, era em seu livro outro planeta, com civilizações perdidas, névoas sombrias, misticismo maligno e negros selvagens).

Ocorre que nada disso foi problema para o “rei das selvas”. Na fase adulta, ele se torna capaz de inigualável locomoção entre as árvores, come carne crua de sua própria caça, luta com leões, tigres, leopardos e até dinossauros (“Tarzan no Centro da Terra”, 1930). Além disso, é capaz de falar com animais (...), coisa que nem os mais genuínos africanos, durante séculos, foram (in) capazes de conseguir.

O recado foi dado. Um recado bem “claro”, por sinal. É evidente que a obra se trata de uma ficção imperialista, uma literatura pró-colonialista, de sujeição simbólica das comunidades africanas aos colonizadores europeus. Tarzan encarna o branco ocidental, uma figura mítica superior em relação aos pobres coitados negros africanos, primitivos, fracos e culturalmente inferiores.

A sociedade moderna ainda tem a alma de Tarzan, naquilo que motivou sua criação: diminuir povos explorados à sua mais ínfima condição, até o ponto de serem considerados insignificantes, servindo apenas para assistir à sua própria exploração, caso não queiram ser invadidos, humilhados e mortos.

Com o mesmo recado de Tarzan depois vieram King Kong (1933), Fantasma, o espírito que anda – (1936), Jim das Selvas (1937), e ainda a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), esta também uma falsa heroína, pois, enquanto recebia as assinaturas dos países europeus, lá estavam eles na África matando e roubando, sem nenhum constrangimento.

Afinal, o mundo ainda é assim: ou é país Tarzan, ou é africanizado, seja selva, comunista, terrorista, ou favela. Dá no mesmo.

 

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