Manifesto de judeus brasileiros

Raimundo Bechelaine

Em eventos favoráveis ao presidente Bolsonaro, tem-se notado a utilização de bandeiras do Estado de Israel, contumaz praticante de apartheid e genocídio contra os palestinos. O fato causa estranheza, porque não aparecem bandeiras de outros países.  Nem devem mesmo aparecer, pois trata-se de questão interna brasileira. 

Portanto, é oportuno e esclarecedor o manifesto assinado por cerca de três centenas de intelectuais ditos judeus, lançado em São Paulo, com pesadas críticas ao governo de Jair Bolsonaro. Nos veículos de imprensa que noticiaram o assunto, foram chamados de  judeus e assim eles próprios se apresentam. Mas também denominam-se como "brasileiros e brasileiras". Ou seja, são brasileiros de origem judaica. Como os temos também de outras origens. 

Transcrevemos a seguir o texto completo, como foi publicado no Estado de Minas e em outros jornais: "É preciso chamar as coisas pelo nome. É chegada a hora de nós, intelectuais, livres-pensadores, judeus e judias progressistas, descendentes das maiores vítimas do regime nazista, nos posicionarmos, como atores sociais, diante do debate público sobre o atual momento nacional. É perceptível que o governo encabeçado por Jair Bolsonaro tem fortes inclinações nazistas e fascistas. É preciso chamar as coisas pelo nome. Perspectivas conspiratórias e antidemocráticas produzem, tal qual o fascismo e o nazismo, inimigos e aliados imaginários. Se não judeus, como o caso do Terceiro Reich, esquerdistas; se não ciganos, cientistas; se não comunistas, como na Itália fascista, feministas. A ideia de uma luta constante contra ameaças fantasmagóricas continua. Porém há mais. As reiteradas reportações racistas e nazistas do governo Bolsonaro, o uso de símbolos fascistas e referência à extrema-direita não podem deixar dúvidas. O projeto de poder avança. Genocídio, destruição das estruturas democráticas do Estado e práticas eugênicas estão escancaradas. Cabe a nós, brasileiros e brasileiras, impedir que cheguemos a uma tragédia maior. O Fora Bolsonaro deve ser o chamado uníssono da hora. É o chamado contra o genocídio".

Terminam aí. Omitimos as assinaturas, postadas em ordem alfabética, porque são centenas. O estilo é conciso, objetivo, contundente. Relaciona o governo brasileiro e seu chefe com o regime e práticas da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini. Sem meias palavras, como se propõe desde o início, consideram o governo Bolsonaro como evidentemente genocida, antidemocrático e racista. Concluem fazendo um apelo à população para o seu afastamento, ante a possibilidade de "uma tragédia maior".

Temos aí um posicionamento corajoso e oportuno, que desfaz equívocos. Embora os signatários não o tenham dito, é compreensível que o uso da bandeira do Estado judeu gerasse incômodo. O segmento de origem judaica na formação da nacionalidade brasileira é expressivo, como também aquele de origem árabe. Ambos estão presentes e atuantes nas ciências, no jornalismo, na política, nas artes, enfim na cultura e na formação nacional. É, portanto, uma palavra a ser ouvida.

O pronunciamento dos "intelectuais e livres-pensadores judeus", por outro lado, sugere uma observação. Seria coerente que eles cobrassem do governo do Estado de Israel uma postura ética e positiva para a solução da questão palestina. Pois talvez lá também existam discípulos de Hitler e Mussolini. Já se disse que Gaza é "um campo de concentração a céu aberto". O governo, as lideranças e a própria sociedade israelense não têm praticado ações racistas e genocidas? "É preciso chamar as coisas pelo nome." [email protected]

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