Livros para cinema: as duas faces da moeda

Maria Tereza Oliveira 

Virou tradição: sempre que surge um best-seller, automaticamente já começam as especulações de adaptações para o cinema. Os estúdios disputam os direitos autorais das obras enquanto os fãs se dividem entre os ansiosos para ver os personagens dos livros em live-action ‒ ou mesmo em animação ‒ e aqueles que ficam temerosos com um possível desrespeito à obra original. E ambos têm razão, já que no retrospecto não há consenso em relação às adaptações de livros, games, animações e reboots hollywoodianos de outras produções. Por se tratar de um assunto cheio de vertentes e pontos de vista, eu pretendo abordar cada tipo de adaptação para as telas em colunas separadas, a começar pelas adaptações de livros ‒ mas em breve falarei de outras formas de versões cinematográficas de distintas obras.

Moda?

Muito se engana quem pensa que a indústria cinematográfica começou a se inspirar em livros para formar narrativas recentemente. As adaptações de livros acontecem desde o fim do século XIX. De fato, a primeira obra literária a ganhar as telonas foi "Trilby e o Pequeno Billee" (1896) ‒ ao menos é o primeiro que se tem registro. O livro, ou melhor, uma cena dele foi convertida em um curta com 22 segundos de duração. A autoria da obra é do francês Gerald du Maurier.

Ao longo das décadas, a prática de adaptar livros para telas foi se popularizando e aperfeiçoando. 

Nada melhor do que começar com as adaptações de livros do rei do horror, Stephen King. O escritor estadunidense publicou seu primeiro romance em 1974 e apenas dois anos depois a história ganhou as telonas pela primeira vez. Foi com "Carrie: A Estranha" (1976) que nasceu a "tradição" de levar as histórias das páginas de King para as telas.

De lá pra cá, cerca de 65 obras audiovisuais ‒ dentre elas, filmes, séries e telefilmes ‒ se basearam em obras do mestre do terror.

Fidelidade x qualidade

Um dos pré-requisitos indispensáveis para muitos autores e fãs puristas é a fidelidade ao material de origem. Mas será que isso realmente quer dizer qualidade? A resposta é: depende. No caso de Stephen King mesmo, isso fica salientado.

Exemplo claríssimo disso é o livro de 1976 do autor chamado "O Iluminado". A obra ganhou duas adaptações famosas, além de uma continuação recente ‒ "Doutor Sono" (2019). Em 1980, a lenda do cinema Stanley Kubrick, após adquirir os direitos do livro, lançou a adaptação para o cinema. Até hoje, o filme é um dos mais emblemáticos e cultuados da história do cinema, mas não foi assim na sua estreia. Nem o público fã do livro, a crítica especializada e tampouco King gostou do resultado.

Jack Nicholson, que deu vida a Jack Torrance, o protagonista do livro, assim como o diretor Kubrick foram indicados ao Framboesa de Ouro ‒ evento que premia os piores do cinema. A ironia é que, décadas após, "O Iluminado" (1980) passou a ser considerado uma das obras máximas do suspense e as performances tanto de Nicholson quanto de Kubrick são enaltecidas.

Mas a falta de fidelidade em alguns aspectos do filme provocou a ira de alguns. Inconformado com as mudanças drásticas em sua obra, King passou a ser um dos maiores críticos do filme. De fato, a insatisfação do autor foi tanta que foi transformada em uma minissérie grotesca em 1997. A obra não tem um décimo da genialidade do filme de Kubrick, mas ao menos é fiel. Todavia, até o próprio King foi obrigado a dar o braço a torcer e hoje reconhece o trabalho de Kubrick.

Fantasia

Um dos melhores mercados de adaptações de livros é o da literatura infantojuvenil, principalmente relacionado a grandes sagas. A fantasia neste ponto também tem um bônus, principalmente pela popularização da cultura nerd/geek.

Fenômeno do início dos anos 2000, a trilogia "O Senhor dos Anéis" ‒ " Sociedade do Anel" (2001), "As Duas Torres" (2002) e "O Retorno do Rei" (2003) ‒ revolucionou a 7ª arte e é até hoje cultuada pelo público e crítica, merecidamente. A adaptação da obra de J.R.R. Tolkien para os cinemas abriu portas para a popularização de adaptações da fantasia e sedimentou o caminho para a cultura nerd florescer. Os filmes foram dirigidos por Peter Jackson. O primeiro foi coroado em quatro categorias do Oscar, o segundo levou duas estatuetas e o terceiro venceu em 11 categorias. Inclusive o feito de "O Retorno do Rei" o rendeu um lugar entre os maiores vencedores da história da premiação, empatado com "Ben-Hur" (1959) e "Titanic" (1997).

Na mesma época chegava às telonas a história do bruxinho mais famoso da cultura pop. "Harry Potter e a Pedra Filosofal" estreou em 2001 e adapta para as telonas a obra de J.K. Rowling. A saga do mundo bruxo conta com sete livros que foram adaptados para oito filmes, fora o spin-off. A saga popularizou a ideia de dividir o livro final em dois filmes. A história de Harry, Rony e Hermione durou uma década nos cinemas e chegou ao fim com "Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2" (2011).

Esses filmes conseguiram aumentar a popularidade dos livros e, mesmo que a temática raramente agrade o público mais velho, são importantes para o incentivo à leitura. Eu mesma faço parte da "Geração Harry Potter" que passou a gostar da leitura através das adaptações cinematográficas de obras teen.

Problemas

Apesar de produzir grandes sucessos comerciais, a forma de adaptar, principalmente ao dividir livros em dois, nem sempre é eficaz. Um exemplo disso é o que aconteceu com a saga “Divergente" (2014) ‒ "Insurgente" (2015) e "Convergente" (2016) ‒ que ficou sem encerramento nos cinemas. A saga parecia ser a herdeira natural de "Jogos Vorazes", mas jamais poderia ter a qualidade comparada. Com o fracasso das adaptações da obra de Veronica Roth, o terceiro livro, "Convergente", que o estúdio Lionsgate decidiu dividir em dois filmes, jamais foi inteiramente adaptado. Isso porque a parte 1 do capítulo final foi um fracasso de bilheteria e fechou as portas para "Ascendente" ‒ filme que encerraria a franquia.

A Lionsgate chegou a anunciar um telefilme, porém, como a franquia contava com um elenco estrelado que incluía Shailene Woodley, Miles Teller, Kate Winslet e Ansel Elgort, a ideia passou a ser ainda mais absurda.

 

Maria Tereza de Oliveira é jornalista e apaixonada por cinema

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